sábado, 2 de julho de 2011

Auto-realização através do amor a Deus (Bhakti-Yoga) - primeira parte

A melhor definição dada à Bhakti-Yoga está talvez resumida no verso: "Que o amor que os faltos de discernimento nutrem pelos fugazes objetos dos sentidos, jamais abandone este meu coração, que é o de quem Te busca!"


Sabemos quão forte é o amor que os homens, nada conhecendo de melhor, têm pelos objetos dos sentidos, como dinheiro, roupas, suas esposas, filhos, amigos, e propriedades. Como se agarram tremendamente a todas essas coisas! Por isso, na prece acima, o sábio diz: "Terei um apego assim - esse tremendo agarramento - mas somente em relação a TC.

Esse amor, quando dado a Deus, é chamado Bhakti. Bhakti não é destrutivo. Ensina que nenhuma das faculdades que temos nos foi dada em vão, e que é através delas que encontramos o caminho natural para a libertação. Bhakti não mata nossas tendências, não vai contra a natureza, mas só lhes dá uma direção mais nobre e mais poderosa. Quando o mesmo amor dedicado aos objetos dos sentidos é dedicado a Deus, esse amor se chama Bhakti. O principal é desejar Deus. Só quando nos saciamos de tudo que aqui existe é que olhamos para o além, em busca de suprimento. Parai com os brinquedos infantis do mundo assim que puderdes, e então notareis a necessidade de algo para além do mundo, e virá o primeiro passo na religião.

Há uma forma de religião que segue a moda. Minha amiga tem tal mobília em sua sala; é moda ter um vaso japonês; portanto, ela precisa também ter um ainda que custe mil dólares. Da mesma maneira teremos uma pequena religião, e freqüentaremos uma igreja. Bhakti não é para essas pessoas. Isso não é desejar. Desejar é querer algo sem o qual não se pode viver., Desejamos respirar, desejamos alimento, desejamos roupas. Sem isso não podemos viver. Quando um homem ama uma mulher neste mundo, há momentos em que ele imagina não poder viver sem ela, embora isso seja um engano. Quando um marido morre, a esposa pensa que não poderá viver sem ele, mas vive, apesar de tudo. Esse é o segredo da necessidade. Algo sem o qual não se pode viver. Devemos ter esse algo, senão morreremos. Quando chegar a ocasião de assim nos sentirmos em relação a Deus, ou, em outras palavras, desejarmos algo para além deste mundo algo acima de todas as forças materiais, então poderemos tornar-nos bhaktas.

Primeira parte

Vemos, claramente, que Bhakti é uma série ou sucessão de esforços mentais para a compreensão da religião, começando com o culto comum o terminando com uma intensidade suprema de amor por Ishvara (Deus pessoal).

Bhakti-Yoga é uma procura real, autêntica, do Senhor, uma procura que começa, continua e termina amor. Um simples momento da loucura do amor extremado a Deus nos traz a liberdade eterna. "Bhakti" - diz Narada em sua explicação dos Aforismos Bhaktis - "é o intenso amor por Deus". "Quando um homem o obtém, ama tudo, nada odeia, torna-se satisfeito para sempre." "Esse amor não pode ser reduzido a qualquer benefício terreno" - porque enquanto houver um desejo mundano, essa espécie de amor não virá. Bhakti é maior do que Karma-Yoga, maior do que Raia-Yoga, porque estas têm um objetivo em vista, ao passo que Bhakti é sua própria fruição, seus próprios meios, e seu próprio fim."

Não há, realmente, muita diferença entre conhecimento (jnana) e amor (bhakti), como às vezes se imagina. Veremos, na continuação, que por fim ambos convergem e se encontram no mesmo ponto. Assim acontece com Raja-Yoga, que, quando procurada como meio de libertação, e não (como, infelizmente, se converte, com freqüência, em mãos de charlatães e vendedores de mistérios) como instrumento para iludir os incautos, leva-nos também ao mesmo escopo.

A verdadeira e grande vantagem de Bhakti é ser o caminho mais fácil e mais natural para alcançar-se o grande fim divino em vista. Sua grande desvantagem é que, em suas formas inferiores, com freqüência se degenera em hediondo fanatismo. O grupo fanático entre o hinduísmo e o maometismo ou o cristianismo, sempre tem sido recrutado quase que exclusivamente entre esses devotos das camadas mais baixas de Bhakti. O apego exclusivo a um objeto amado, sem o que nenhum amor genuíno rode crescer, é, com muita freqüência, também a causa da intolerância contra tudo quanto difere desse amor. Todas as mentes fracas e não desenvolvidas, em todas as religiões e em todos os países, só têm uma forma de amar seu próprio ideal, isto é, detestando todos os outros ideais. Aqui temos a explicação do fato do mesmo homem, tão amorosamente apegado ao seu próprio ideal de Deus, tão devotado a seu próprio ideal de religião, tornar-se UM fanático vociferante assim que vê ou ouve alguma coisa que não seja o seu ideal. Essa espécie de amor é, de certa forma, igual ao instinto canino de guarda à propriedade de seu dono contra a invasão. Acontece, apenas, que o instinto do cão é melhor do que a razão do homem, pois o cão jamais confunde seu dono com um inimigo, seja qual for o trajo com que aquele se lhe apresente.

O fanático perde todo o poder de julgamento. As considerações pessoais lhe são, nesse caso, de tão absorvente interesse que não lhe importa se o que um homem diz é certo ou errado, mas o que o preocupa particularmente saber é quem o diz. O mesmo homem que é bom, benévolo, honesto e amoroso para os que partilham de sua própria opinião, não hesitará em cometer as ações mais vis para com aqueles que ficam fora do pálio de sua fraternidade religiosa.

Mas esse perigo existe apenas no estágio de Bhakti que é chamado preparatório. Quando o báta amadurece e passa para a forma chamada a suprema, não há mais receio dessas hediondas manifestações de fanatismo. A alma que é dominada por esta forma superior de Bhakti está demasiado próxima do Deus do amor para se tornar um instrumento para a difusão do ódio.

Não é dado a todos nós sermos harmoniosos na construção de nosso caráter nesta vida. Não obstante, sabemos que esse caráter é do tipo mais nobre, no qual todos os três - o conhecimento, o amor e a Raja-Yoga - estão harmoniosamente fundidos. Três coisas são necessárias a um pássaro para poder voar: as duas asas e a cauda, sendo esta como um leme para a direção. Inana é uma asa, Bhakti é a outra, e Raja-Yoga é a cauda que nos mantêm em equilíbrio. Os que não podem seguir todas essas três formas de culto reunidas em harmonia, e tomam, portanto, apenas Bhaki como seu caminho, precisam lembrar-se sempre de que os ritos e cerimônias, embora absolutamente necessários para a alma em progresso, não têm outro valor senão o de nos levar àquele estado em que sentimos o mais intenso amor por Deus.

Vemos claramente, portanto, que Bhaktí é uma série ou sucessão de esforços mentais para a realização religiosa, começando no culto comum e terminando na suprema intensidade de amor por Ishvara (Deus Pessoal).

Sempre se deve compreender que o Deus Pessoal cultuado pelo Máta não é separado ou diferente de Brama. Tudo é Brama, o Único sem segundo. Contudo, como Unidade, ou Absoluto, Brama é uma abstração excessiva para ser amado e cultuado. Assim, o bhakta escolhe um aspecto relativo de Brama, isto é, Ishvara, o Governante Supremo. Para usar um símile: Brama é a argila ou a substância da qual uma infinita variedade de artigos é moldada. Como argila, tais artigos são apenas um, mas formam diferentes manifestações dela. Antes que cada um deles fosse feito, todos existiam potencialmente na argila, e, como é natural, eram idênticos no que se refere à substância. Mas, uma vez formados, e enquanto a forma permanece, são separados e diferentes. O rato de argila jamais pode tornar-se um elefante de argila, porque, na qualidade de manifestações, somente a forma faz deles o que são, embora como argila informe sejam apenas um. Ishvara é a mais alta manifestação da Realidade Absoluta, ou, em outras palavras, a leitura mais alta do Absoluto que a mente humana pode fazer. A Criação é eterna, como eterno é Ishvara.

Bhakti-Yoga, como já dissemos, se divide em duas formas: a suprema e a preparatória. Verificaremos, conforme caminhemos, como, no estágio preparatório, ficamos, inevitavelmente, na necessidade de auxílios concretos que nos ajudem a prosseguir. E, realmente, as partes mitológicas e simbólicas de todas as religiões são decorações naturais que de início circundam a alma aspirante e a ajudam a tomar a direção de Deus. Também é um fato significativo terem sido os gigantes espirituais produzidos apenas nos sistemas de religião onde há exuberante riqueza de ritualismo e mitologia. As formas secas e fanáticas de religião, que tentam despojá-la de tudo quanto é poético, de tudo quanto é belo e sublime, de tudo quanto oferece um forte ponto de apoio à mente infantil que vai cambaleando em seu caminho para Deus - as formas que tentam destruir os próprios paus de cumeeira do telhado espiritual, e em suas concepções ignaras e supersticiosas da verdade tentam expulsar tudo quanto dá vida, tudo quanto fornece o material formador da planta espiritual que viceja na alma humana - tais formas de religião bem depressa terão verificado que só lhes restou uma casca vazia, moldura insatisfatória de palavras e sofismas, que talvez tenham ligeiro odor de uma espécie de varredura social, ou do chamado espírito de reforma.

A vasta massa daqueles cuja religião é desse tipo, são materialistas conscientes ou inconscientes, sendo o fim e a meta de suas vidas, aqui e no além o prazer, que, realmente, constitui para eles o alfa e o ômega da vida humana. Para esses, trabalho como o de limpeza de imundícies, visando dar conforto material ao homem, constitui a razão de ser, e a finalidade da existência humana. E quanto mais depressa os seguidores dessa curiosa mistura de ignorância e fanatismo surgirem sob. suas cores verdadeiras, e se reunirem, como merecem fazer, às fileiras dos ateus e materialistas, melhor será para o mundo. Uma grama de prática de integridade e de auto-realização espiritual, ultrapassa em peso toneladas e toneladas de palavreado frívolo e sentimentos disparatados. Mostrai-nos um, apenas um, gigantesco gênio espiritual que tenha nascido de toda essa ressecada poeira de ignorância e fanatismo. Se não o podeis fazer, fechai vossas bocas, abri as janelas de vossos corações à luz clara da verdade, e senti-vos como crianças aos pés daqueles que sabem o de que estão falando - os sábios da India. Ouçamos, pois, atentamente, o que eles dizem.

Quatro Yogas deAuto-Realização


Swami Vivekananda

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