sexta-feira, 1 de julho de 2011

O Mal-estar do comportamento Humano

O comportamento dos seres humanos apresenta diferenças que a ética, desprezando o fato de que tais diferenças são determinadas, classifica como ‘boas’ ou ‘más’. Enquanto essas inegáveis diferenças não forem removidas, a obediência às elevadas exigências éticas acarreta prejuízos aos objetivos da civilização, por incentivar o ser mau.


O elemento de verdade por trás disso tudo, é que os homens não são criaturas gentis e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo

Via de regra, essa cruel agressividade espera por alguma provocação. Quando as forças mentais contrárias que normalmente a inibem se encontram fora de ação, ela também se manifesta espontaneamente e revela o homem como uma besta selvagem, a quem a consideração para com sua própria espécie é algo estranho.

A existência da inclinação para a agressão, que podemos detectar em nós mesmos e supor com justiça que ela está presente nos outros, perturba nossos relacionamentos com o nosso próximo e força a um tão elevado dispêndio [de energia]. Em conseqüência dessa mútua hostilidade dos seres humanos, a sociedade se vê ameaçada de desintegração. Civilização tem de utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter suas manifestações sob controle por formações psíquicas reativas. Espera-se impedir os excessos mais grosseiros da violência brutal por si mesma, a lei não é capaz de deitar a mão sobre as manifestações mais cautelosas e refinadas da agressividade humana. Mas oposição não é necessariamente inimizade; simplesmente, ela é mal empregada e tornada uma ocasião para a inimizade.

A propriedade da riqueza privada confere poder ao indivíduo e, com ele, a tentação de maltratar o próximo, ao passo que o homem excluído da posse está fadado a se rebelar hostilmente contra seu opressor. Se eliminamos os direitos pessoais sobre a riqueza material, ainda permanecem, prerrogativas fadadas a se tornarem a fonte da mais intensa antipatia e da mais violenta hostilidade entre homens que, sob outros aspectos, se encontram em pé de igualdade.

Evidentemente, não é fácil aos homens abandonar a satisfação dessa inclinação para a agressão. Sem ela, eles não se sentem confortáveis. Podemos ver que se trata de uma satisfação conveniente e relativamente inócua da inclinação para a agressão. Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização.

Restringir os instintos, reivindica nossa atenção o perigo de um estado de coisas que poderia ser chamado de ‘pobreza psicológica dos grupos’. Por essa razão, ficaria feliz com a conclusão de que o reconhecimento de um instinto agressivo, especial e independente, significa uma alteração da teoria psicanalítica dos instintos. A neurose foi encarada como o resultado de uma luta entre o interesse de autopreservação e as exigências da libido, luta da qual o ego saiu vitorioso, ainda que ao preço de graves sofrimentos e renúncias. Uma idéia mais fecunda era a de que uma parte do instinto é desviada no sentido do mundo externo e vem à luz como um instinto de agressividade e destrutividade.


Trecho do artigo O Mal-Estar na Civilização de Sigmund Freud

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