sábado, 2 de julho de 2011

Auto-realização através do amor a Deus (Bhakti-Yoga) - terceira parte

Na Bhakti-Yoga o segredo central é saber que as várias paixões, sentimentos e emoções do coração humano não são errados em si mesmos; apenas devem ser cuidadosamente controlador e receber uma condição superior de excelência. A direção mais elevada é a que nos leva a Deus; toda outra direção é inferior.


Terminamos a consideração do que podemos chamar a Bhakti preparatória, e entraremos agora no estudo da suprema devoção. Todas as preparações pretendem apenas a purificação da alma. A repetição de nomes, de rituais, de formas, e os símbolos todas essas várias coisas são para a purificação da alma.

O maior purificador, entre essas coisas, um purificador sem o qual não se pode entrar nas regiões da devoção superior, é a renúncia. Isso assusta muitos, mas, sem ela não pode haver crescimento espiritual. Em todas as Yogas a renúncia é necessária. Eis a pedra de toque, o centro real e o coração real de toda a cultura espiritual: a renúncia. Eis religião: a renúncia. Quando a alma humana se retrai das coisas do mundo e tenta penetrar nas coisas mais profundas, quando o homem, o Espírito, que de certa forma aqui se materializou e concretizou, compreende que ele vai ser destruído e reduzido quase a simples matéria, e volve seu rosto à matéria - então começa a renúncia, então começa o verdadeiro crescimento espiritual.

A renúncia do karma-yogue toma a forma de desistir de todos os frutos de suas ações. Ele não se apega aos resultados de seus trabalhos, não se importa com recompensas, já ou depois.

O raia-yogue sabe que o conjunto da natureza se destina a ser um meio para a alma adquirir experiências, e que o resultado de todas as experiências da alma é tornar-se ela consciente de sua eterna separação da natureza. A alma humana tem de entender e realizar que ela tem sido espírito, e não matéria, através da eternidade, e que a sua conjunção com a matéria é, e pode ser, apenas temporária. O raja-yogue aprende a lição da renúncia através de suas próprias experiências da natureza.

O jnane-yogue tem de passar pela mais rigorosa das renúncias, e precisa comprender, desde o princípio, que a totalidade desta natureza aparentemente sólida não passa de uma ilusão. Tem de compreender que toda e qualquer espécie de manifestação de poder da natureza pertence à alma e não à natureza. Tem de saber, desde o início, que todo o conhecimento e toda a experiencia estão na alma e não na natureza; assim tem, de pronto e pela penetrante força da convicção racional, de romper todo aprisionamento à natureza. Deixa a natureza e tudo quanto a ela pertence; deixa-os desvanecer-se e procura manter-se sozinho.

De todas as renúncias, a mais natural, por assim dizer, é a do bhakta-yogue. Aqui não há violência, nada a abandonar, nada a arrancar de nós mesmos, nada de que devamos ser violentamente separados. A renúncia do bhakta é fácil, corre maciamente, e é tão natural como as coisas que nos rodeiam. Vemos a manifestação desse tipo de renúncia, embora mais ou menos sob forma caricaturesca, todos os dias, em torno de nós. Um homem começa a amar uma mulher; depois de algum tempo ama outra, e deixa que se vá a primeira. Ela se esvai de sua mente de maneira suave, delicada, sem que ele sinta, absolutamente, sua falta. Uma mulher ama um homem. Começa, então, a amar outro homem, e o primeiro desaparece de sua mente com toda a naturalidade. Um homem ama sua própria cidade, depois começa a amar seu país, e o amor intenso por sua cidadezinha vai caindo maciamente, naturalmente. O homem aprende a amar todo o mundo: seu amor por seu país, seu patriotismo intenso e fanático fene-se sem magoá--lo, sem qualquer manifestação de violência. Um homem sem cultura ama intensamente os prazeres dos sentidos; conforme vai--se educando, começa a amar os prazeres intelectuais, e seu prazer dos sentidos vai diminuindo cada vez mais. Homem algum pode gozar uma refeição com o mesmo sabor e prazer com que a gozam um cão ou um lobo, Mas o deleite que um homem sente em suas realizações e experiências intelectuais, um cão jamais sentirá.

Quando um homem ascende cada vez mais alto no plano do intelecto, muito além do simples perisamento, quando galga o plano da espiritualidade e da divina inspiração, acha-se num estado de beatitude, comparado com o qual nada são todos os prazeres dos sentidos, ou mesmo do intelecto, nada são. Quando a Lua brilha intensamente, todas as estrelas se turvam, e quando o Sol brilha, é'a Lua que se turva. A renúncia necessária para a obtenção de Bhaki não se obtém por matar seja o que for, mas chega naturalmente, tal como em presença de uma luz crescentemente mais forte as luzes menos intensas se obscurecem cada vez mais até desaparecerem por completo. Assim, o amor aos prazeres dos sentidos e do intelecto se obscurece, e é posto de lado, atirado à sombra criada pelo próprio amor de Deus.

Esse amor a Deus cresce até assumir a forma do que se pode chamar devoção suprema. As formas desaparecem, os rituais fogem, os livros são ultrapassados; as imagens, templos, igrejas, religiões e seitas, países e nacionalidades - todas essas pequenas limitações e entraves se desprendem, por sua própria natureza, daquele que conhece esse amor de Deus. Nada resta para entravá-mo-nos, ou para algemar a sua liberdade. Assim, na renúncia que auxilia a devoção não há aspereza, nem escura, nem luta, nem repressão, nem supressão. O bhakta não precisa suprimir uma só de suas emoções. Esforça-se, apenas, por intensificá-las e dirigi-Ias para Deus.

Na natureza vemos amor por toda a parte. O que quer que na sociedade seja bom, grande, sublime, é trabalho do amor. O que quer que em sociedade seja mau, negativo, diabólico, é também o trabalho mal dirigido da mesma emoção de amor. 9 essa mesma emoção que nos dá o puro e santo amor conjugal entre marido e mulher, bem como a espécie de amor que satisfaz as formas mais baixas de paixão animal. A emoção é a mesma, mas sua manifestação é diferente, nos diferentes casos.

Bhaki-Yoga é a ciência do amor superior. Mostra-nos como dirigi-lo, como controlá-lo, como governá-lo, como usá-lo, codo dar--lhe alvo novo, por assim dizer, e disso obtém os mais altos e gloriosos resultados, isto é, o modo de o fazer conduzir-nos à bem-aventurança espiritual. Bhakti-Yoga não diz: "Abandona!" Diz, apenas: "Ama - ama o Supremo!" E tudo quanto é inferior larga naturalmente aquele cujo objeto de seu amor é o Supremo.

"Nada posso falar a Teu respeito, a não ser que és o meu amor. És belo! És a própria beleza!" O que realmente se nos exige nessa Yoga é que nossa sede de beleza seja dirigida para Deus. Que é a beleza num rosto humano, no céu, nas estrelas, e na Lua? É apenas uma apreensão particular da real, envolvente beleza divina. "Ele brilha, e tudo brilha. É através de Sua luz que todas as coisas brilham." Tomai esta alta posição de Bhakti, que vos faz esquecer imediatamente vossas pequenas personalidades. Afastai-vos de todos os pequenos e egoísticos apegos mundanos. Não contempleis a humanidade como sendo o centro de todos os vossos interesses humanos e superiores. Conservai-vos como uma testemunha, como um estudante, e observai os fenômenos da natureza. Mantende o sentimento de desapego pessoal no que se refere ao homem, e observai como esse poderoso sentimento de amor se manifesta no mundo. As vezes se produz uma pequena fricção mas é apenas no curso da luta para obter o superior, o verdadeiro amor. As vezes há uma pequena luta, ou uma pequena queda, mas isso é apenas passageiro. Ficai de lado e deixai que essas fricções venham, livremente. Sentis a fricção apenas quando estais na corrente do mundo, mas quando estais fora dela, simplesmente como testemunha ou estudante, podereis ver que há milhões e milhões de canais através dos quais Deus se está manifestando como amor.

"Onde quer que haja qualquer beatitude, mesmo na mais sensual das coisas, há uma faísca da beatitude eterna, que é o próprio Senhor." Mesmo na mais baixa forma de atração, há um germe do amor divino. Um dos nomes do Senhor em sânscrito é Hari, que significa que Ele atrai todas as coisas para si. E Sua atração é, realmente, a única digna dos corações humanos. Quem pode atrair realmente uma alma? Somente Ele! Pensais que matéria morta possa realmente atrair uma alma? jamais o fez e jamais o fará. Quando vedes um homem seguindo um belo rosto, pensais que é um punhado de moléculas materiais organizadas o que realmente atrai esse homem? Absolutamente. Atrás daquelas partículas materiais deve haver, e há, o jogo da divina influência e do amor divino. O homem ignorante não o sabe, mas, não obstante, consciente ou inconscientemente, é atraído por esse amor, e apenas por ele. Assim, mesmo as mais baixas formas de atração, derivam seu poder do próprio Deus. O Senhor é o grande ímã, e nós somos todos como que limalhas de ferro; estamos sendo sempre atraídos por Ele, e todos lutamos por alcançá-Lo. Toda essa nossa luta neste mundo não tem, seguramente, fins egoísticos. Os tolos não sabem o que estão fazendo; a obra de sua vida, afinal, é aproximarem-se do grande ímã. Todas as tremendas lutas e combates da vida visam fazer-nos caminhar para Ele, fundamentalmente, e com Ele nos unificarmos.

O bhakta-yogue, entretanto, conhece o significado das lutas da vida. Compreende-as. Passou por uma longa série dessas lutas e sabe o que elas significam, e deseja, ansiosamente, libertar-se de suas fricções. Deseja evitar a colisão e vai diretamente para o centro de toda a atração, o grande Hari. Tal é a renúncia do bhakta. Essa poderosa atração em direção a Deus faz com que todas as demais atrações lhe desapareçam. Esse poderoso e infinito amor de Deus, que lhe entra no coração, não deixa lugar para que outro amor qualquer ali viva. Como poderia ser de outra maneira? Bkakti enche seu coração com as águas divinas do oceano do amor, que é o próprio Deus. Não há lugar ali para pequenos amores. Isso quer dizer que a renúncia do bhakta é esse desapego por todas as coisas que não sejam Deus, o qual resulta do grande apego a Deus.

Essa é a preparação ideal para atingir o supremo Bha-kti. Quando advém essa renúncia, as portas se abrem para a alma passar e alcançar as elevadas regiões da devoção suprema. Só o bhakta atingiu aquele supremo estado de amor comumente chamado fraternidade do homem. Os demais indivíduos apenas falam. Ele não vê distinções. O poderoso oceano do amor entrou nele, que não vê o homem no homem, mas vê seu Bem-Amado em toda a parte. Através de todos os rostos, para ele, brilha Hari. A luz do Sol ou da Lua são a Sua manifestação. Onde quer que haja beleza e sublimidade, para ele provêm de Hari. Tais bhaktas ainda vivem; o mundo nunca está sem eles. Embora mordidos por uma serpente, dizem apenas que um mensageiro do seu Bem-Amado veio até eles. Só esses homens têm o direito de falar em fraternidade universal. ignoram ressentimentos; suas mentes jamais reagem sob a forma de ódio ou ciúme. O exterior, o sensual, desvaneceu deles para sempre. Como podem ter cólera, quando, através de seu amor, estão sempre capacitados a ver a Realidade atrás dos cenários?

Na Bhakti-Yoga o segredo central é saber que as várias paixões, sentimentos e emoções do coração humano não são erradas em si próprias. Apenas têm de ser cuidadosamente controladas, recebendo direção cada vez mais elevada, até que atinjam a própria e mais alta condição de excelência. A direção superior é a que nos leva a Deus: toda a direção que não seja essa, é inferior.

A conclusão a que chega o bhãkta é que, se insistirdes em amar apenas uma pessoa após a outra, podeis continuar amando-as por uma infinita vastidão de tempo, sem serdes absolutamente capazes de amar o mundo como um todo. Todavia, quando, por fim, a idéia central é alcançada, que a sorna total de todo o amor é Deus; que a soma total das aspirações de todas as almas do universo, estejam livres, ou prisioneiras, ou em luta pela libertação, é Deus, então, e só então será possível o indivíduo fazer nascer o amor universal. Se amamos essa soma total, amamos tudo. Amar o mundo e fazer-lhe bem será então coisa fácil. Temos de obter esse poder apenas amando a Deus em primeiro lugar; senão, não passa de um divertimento fazer bem ao mundo.

"Tudo é Ele e Ele é o meu Amante; eu O amo" - diz o bhakta. Desta maneira tudo se torna sagrado para o bhakta, porque todas as coisas são d'Ele. Todos são Seus filhos, Seu corpo, Sua manifestação. Como podemos, pois prejudicar alguém? Como podemos, pois, não amar alguém? Como o amor de Deus virá, como segura conseqüência, o amor de tudo no universo. Quanto mais próximos de Deus chegamos, mais começamos a ver que todas as coisas estão n'Ele. Quando a alma consegue apropriar-se da beatitude desse amor supremo, começa, também, a vê-Lo em tudo. Nosso coração se torna, assim, uma fonte eterna de amor. E quando alcançamos estados ainda mais elevados neste amor, todas as pequenas diferenças entre as coisas do mundo se perdem completamente. O homem já não é visto como homem, mas só como Deus. Não mais se vê o animal como simples animal, mas como Deus. Mesmo o tigre já não é um tigre, mas a manifestação de Deus. Assim, nesse intenso estado de Bhakti, o culto é ofereci-* do a tudo: a toda a vida e a todos os seres.

Como resultado desta espécie de intenso e oniabsorvente amor, vem o sentimento de perfeita auto-abnegação e a convicção de que nada que acontece é contra nós. Então, a alma amorosa está apta a dizer, se a dor vier: "Benvinda sejas, dor!" Se a angústia vier, ela dirá: "benvinda sejas, angústia! Também tu vens do Bem-Amado!- Se a serpente vier, dirá: "Benvinda sejas, serpente!" . Se a morte vier, recebela-á o bhakta com um sorriso: "Abençoado sou eu porque todos vêm a mim; todos são benvindos -. Nesse estado de perfeita resignação nascido do intenso amor por Deus e por tudo que é Seu, o bhakta cessa de distinguir entre o prazer e a dor, no que lhe afetam. Não sabe o que é queixar-se de dor ou de angústia, e essa espécie de resignação sem queixas diante da vontade de Deus, que é todo amor, vem a ser, realmente, uma aquisição mais valiosa do que toda a glória das grandes e heróicas realizações.

Para a imensa maioria da humanidade, o corpo é tudo, é todo o universo, e os prazeres corporais são o máximos. Podemos todos lidar por manter nossos corpos mais ou menos satisfatoriamente corpos, e durante períodos de tempo maiores ou menores. Apesar disso, nossos corpos têm que desaparecer: não são permanentes. Abençoados são aqueles cujos corpos são destruídos a serviço de outros. "Riqueza, e mesmo a própria vida, o sábio sempre as mantêm para serviço de outros. Neste mundo há apenas uma coisa certa, que é a morte, e é muito melhor que o corpo morra por uma boa 'causa do que por uma causa má." Podemos arrastar nossa vida por cinqüenta ou cem anos, mais, depois, disso, o que acontece? Tudo quanto é resultado de combinação deve dissolver--se e morrer. Deverá chegar uma época em que ocorrerá a sua decomposição, Jesus, Buda, Maomé, estão todos mortos. Todos os grandes profetas e instrutores do mundo estão mortos. "Neste mundo evanescente, onde tudo está caindo em pedaços, temos que fazer o mais elevado uso do tempo de que dispomos" - diz o bhakta. E, realmente, o mais elevado uso da vida é mantê-la a serviço de todos os seres.

É a horrível idéia do corpo o que nutre todo o egoísmo do mundo - apenas essa ilusão de que somos inteiramente o corpo que possuímos, e que devemos fazer o possível por preservá-lo e satisfaze-lo. Se souberdes que sois positivamente outra coisa que não o vosso corpo, nada tereis contra o que lutar, nada tereis para combater. Estareis mortos para toda a idéia de egoísmo. Assim o bhakta declara que nos devemos manter como se já estivéssemos mortos para todas as coisas do mundo, e que isso é realmente, a auto-abnegação. Que as coisas venham como puderem. Este é o significado da expressão: "Faça-se a Tua vontade". Neste estado de sublime resignação tudo quanto tenha a forma de apego desaparece completamente, exceto esse oniabsorvente amor por Aquele no qual todas as coisas vivem e se movem, e tem o seu ser. Esse apego do amor de Deus, é, com efeito, um apego alma; antes rompe, efetivamente, todos os que não encadeia a grilhões.

Quatro Yogas deAuto-Realização


Swami Vivekananda

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