sábado, 2 de julho de 2011

Auto-realização através do serviço altruísta (Karma Yoga) - primeira parte

Os homens superiores não podem trabalhar, pois não há neles elemento compulsório, nem apego, nem ignorância. Conta-se que um navio passou rente de uma montanha de minério magnético, e as suas barras e parafusos foram todos arrancados por atração, desmantelando-se o barco. É na ignorância que prevalece a competição, porque somos todos, realmente, ateus. Os deístas verdadeiros não podem competir. Somos mais ou menos ateus. Não vemos nem acreditamos em Deus. Para nós, Ele é DEUS e nada mais. Há momentos em que pensamos que Ele está próximo, mas tornamos a cair. Quando O vedes, quem luta por quem? Ajudai o Senhor! Há um provérbio em nossa língua: "Teremos de ensinar ao Arquiteto do Universo como construir?." Por isso os seres superiores da humanidade não trabalham. Da próxima vez que virdes essas frases tolas sobre o mundo e sobre como devemos ajudar o Senhor, ou fazer isto ou aquilo por Ele, recordai-vos disto. Não alimenteis tais pensamentos; são demasiado egoístas, Todo o trabalho que fazeis é subjetivo; é feito em vosso próprio proveito. Deus não caiu numa vala para que vós e eu O ajudemos a sair de lá, construindo um hospital ou qualquer coisa semelhante.


Ele permite que trabalhei s. Ele permite que exerciteis vossos músculos neste grande ginásio, não para ajudá-Lo, mas para vos ajudardes a vós próprios. Pensais que nem uma formiga morreria se não a ajudásseis? Essa é uma blasfêmia das mais consumadas! O mundo não necessita absolutamente de vós. O mundo continua, e sois como uma gota no oceano. Uma folha não se move, o vento não sopra, sem Ele.

Bem-aventurados somos nós, que recebemos o privilégio de trabalhar para Ele, não de ajudá-Lo. Eliminai a palavra "ajuda" de vossa mente. Não podeis ajudar: isso é blasfêmia. Estais aqui à disposição d'Ele. Quereis dizer que O ajudais? Vós Lhe rendeis culto. Quando dais um bocado de comida a um cão, rendeis culto ao cão como Deus. Deus é o cão. Ele é tudo e está em tudo. Temos permissão para render-Lhe culto.

Mantende-vos nessa atitude reverente em relação a todo o universo, e então vi rã o não-apego perfeito. Este deveria ser o vosso dever. Essa é a atitude adequada de trabalho. Esse é o segredo ensinado pela Karma-Yoga.

Primeira parte

O karma-yogue é o homem que compreende ser a não-resistência o mais alto ideal. Antes de atingir esse mais alto ideal, o dever do homem é resistir ao mal. Que trabalhe, luto, atire-se de corpo inteiro. Só então, quando tiver ganho o poder de resistir, a não-resistência será uma virtude.

A sociedade humana é uma organização disposta em vários graus. Todos temos conhecimento de moralidade e todos temos conhecimento de dever. Mas, ao mesmo tempo, vemos que em países diferentes a significação da moralidade diverge grandemente. O que é visto como moral num país, pode ser considerado perfeitamente imoral em outro. Por exemplo, num país os primos casam-se entre si, e em outros só o pensar nisso é ato imoral. Num país, os homens casam-se com as suas cunhadas, em outro isso é visto como imoral. Num país as pessoas casam-se apenas uma vez, em outro casam-se muitas vezes, e assim por diante. Similarmente, em todos os outros departamentos da moralidade, encontramos padrões que diferem grandemente. Ainda assim, temos a impressão de que deve haver um padrão universal de moralidade.

O mesmo acontece com o dever. A idéia de dever varia muito entre as diferentes nações. Num país, se um homem não fizer certas coisas, outros dirão que ele agiu erradamente, enquanto se ele fizer essas mesmas coisas em outro país, dirão que ele não agiu corretamente. Ainda assim sabemos que deve haver alguma idéia universal de dever.

Dois caminhos estão absortos para nós: o caminho do ignorante, que imagina haver apenas uma estrada para a verdade e que tudo o mais está errado. E o caminho do sensato, admitindo que, de acordo com a nossa constituição mental ou com os diferentes planos da existência em que estamos, dever e moralidade podem variar. O importante é saber que existem graduações de dever e moralidade, que o dever de um estado de vida, dentro de determinadas circunstâncias, não será e não pode ser o de outro.

Para ilustrar isso, alguns grandes mestres ensinaram: "Não resistas ao mal" - pois a não-resistência é a mais alta idéia moral. Mas todos sabemos que se um certo número, entre nós, tentasse realizar na íntegra essa máxima, todo o tecido social se romperia. Os perversos tomariam posse de nossas propriedades e de nossas vidas e fariam de nós o que quisessem. Mesmo praticada por um só dia, essa não-resistência levaria ao desastre. Ainda assim, intuitivamente, no âmago de nossos corações, sentimos a verdade do ensinamento: "Não resistas ao mal". Esse parece ser, para nós, o mais alto ideal, mas ensinar essa doutrina eqüivaleria a condenar uma vasta porção da humanidade. Não apenas isso: seria fazer os homens sentirem que estão sempre cometendo erros, e incutir-lhes escrúpulos de consciência em todas as suas ações. Seria enfraquecê-los, e essa constante auto-desaprovação criaria mais vícios do que qualquer outra fraqueza.

Para o homem que começou a odiar-se, a porta da degeneração já está aberta, e o mesmo acontece às nações. Nosso primeiro dever é não nos odiarmos. Para progredir, precisamos ter fé em nós mesmos, primeiro, depois em Deus. Quem não tem fé em si próprio jamais pode ter fé em Deus.

Portanto, a única alternativa que nos resta é reconhecermos que o dever e a moralidade variam sob circunstâncias diferentes. Que o homem, resistindo ao mal, não está fazendo o que é sempre, e em si mesmo, errado, mas que, em diferentes circunstâncias em quç for colocado, pode tornar-se de seu dever resistir ao mal.

Lendo o Bhagavad-Gitâ , muitos podem ter ficado atônitos com o segundo capítulo, onde Sri Krishna chama de hipócrita e covarde a Arjuna, por este se recusar a lutar, a oferecer resistência, sob o pretexto de que seus adversários eram seus amigos e parentes, e de que a não-resistência era o mais alto ideal de amor. Essa é uma grande lição que todos devem aprender: em todos os assuntos os dois extremos são iguais. O extremo positivo e o extremo negativo são sempre semelhantes. Quando as vibrações da luz são lentas demais, nós não a vemos, e nem a vemos quando essas mesmas vibrações são demasiado rápidas. o mesmo acontece com o som: quando é fraco demais na emissão, não o ouvimos, e também não o ouvimos quando é alto demais. ,Da mesma natureza é a diferença entre resistência e não-resistência. Um homem não resiste por ser fraco, preguiçoso, e por não poder, não por não querer. Outro homem sabe que pode dar um golpe irresistível, se lhe apetecer, mas não só não ataca, como abençoa seus inimigos. O que não resiste por fraqueza comete um crime, e, sendo assim, não pode receber benefício algum da não-resistência, enquanto que o outro cometeria um pecado se oferecesse resistência.

Buda abandonou seu trono e renunciou à sua posição: essa foi uma renúncia autêntica. Mas não há renúncia no caso do mendigo que nada tinha a renunciar. Portanto, devemos ser sempre cuidadosos quanto ao que realmente queremos dizer quando falamos em não-resistência e amor ideal. Devemos, primeiro, ter o cuidado de compreender se temos ou não o poder de resistência. Então, se temos esse poder, e a ele renunciamos, não resistindo, estamos praticando um grande ato de amor. Mas se não podemos resistir, e ainda assim, ao mesmo tempo, tentamos iludir-nos com a crença de que atuamos através dos mais altos motivos de amor, estamos fazendo exatamente o gesto oposto. Arjuna tornou-se um covarde ao ver a poderosa tropa que vinha contra ele. Seu "amor" levou-o a esquecer-se de seu dever para com seus país e para com seu rei. Foi por isso que Sri Krishna lhe disse que era um hipócrita: "Falas como um sensato, mas tuas ações traem-te e revelam-te covarde. Portanto, ergue-te e luta!"

Tal é a idéia central da Karma-Yoga. O karma-yogue é o homem que compreende ser a não-resistência o mais alto ideal, e que também sabe que sua não-resistência é a mais alta manifestação de poder, Mas sabe, também, (que a chamada resistência ao mal é um passo no caminho da manifestação desse poder mais alto, isto é, da não-resistência. Antes de alcançar esse mais alto ideal, o dever do. homem é resistir ao mal. Que lute, trabalhe, que se atire de corpo inteiro. Então, e só então, terá ganho o poder de resistir, e a não-resistência será uma virtude.

Conheci um homem, certa vez, em meu país, que eu sabia antes ser pessoa muito parva, obtusa, que nada sabia, nada desejava saber, e levava a vida de um bruto. Perguntou-me ele o que deveria fazer para conhecer a Deus, e como poderia libertar-se.

- Podeis mentir? - perguntei-lhe.

- Não - respondeu-me ele.

- Então precisais aprender a mentir, ]É melhor dizer uma mentira do que ser um bruto ou um tronco de madeira. Sois inativo; certamente não alcançastes o estado mais alto, que transcende todas as ações e é calmo e sereno. Sois obtuso demais, mesmo para fazer algo perverso.-

Aquele era um caso extremo, naturalmente, e eu estava gracejando com meu inquiridor, mas o que eu queria dizer é que um homem deve ser ativo a fim de passar da atividade para a tranqüilidade perfeita. A inatividade deveria ser evitada por todos os meios. Atividade significa, sempre, resistência. Resisti a todos os males, mentais e físicos, e quando tiverdes tido sucesso no resisti. Aí virá a tranqüilidade.

É muito fácil dizer: "Não odieis ninguém, não resistais ao mal", mas sabemos o que essa espécie de conselho geralmente significa, na prática. Quando os olhos da sociedade estão voltados para nós, podemos dar um espetáculo de não-resistência, mas em nosso coração, sentimos como que um câncer a todo tempo. Sentimos imensa necessidade da calma da não-resistência, e sentimos que seria melhor para nós resistir. Se desejais fortuna e sabeis, ao mesmo tempo, que todo o mundo vê aquele cuja meta é a fortuna como um homem muito perverso, talvez não ouseis mergulhar na luta pela fortuna, mas vossa mente estará correndo atrás do dinheiro, dia e noite. Isto é hipocrisia e não servirá a propósito algum. Mergulhai no mundo, e então, após algum tempo, quando tiverdes sofrido e gozado tudo que nele existe, a renúncia virá. Depois a tranqüilidade virá. Saciai, portanto, vosso desejo de poder e de tudo o mais, e depois de terdes saciado o desejo, virá um tempo em que sabereis que desejos são coisas muito pequeninas. Mas, enquanto não tiverdes saciado esse desejo, enquanto não tiverdes passado através dessa atividade, é impossível alcançardes o estado de tranqüilidade, serenidade, auto-renúncia. Essas idéias de serenidade e renúncia têm sido pregadas durante milhares de anos, e todos as ouviram desde a sua infância. Ainda assim, são muito poucos os que no mundo, alcançaram esse estado. Não sei se vi vinte pessoas em minha vida que fossem realmente calmas e não- resistentes. E viajei mais da metade do mundo.

Todo o homem devia aceitar esse ideal e trabalhar para realizá-lo. É um caminho mais seguro para o progresso do que aceitar o ideal de outros homens, ideal que ele não pode jamais ter a esperança de realizar. Por exemplo, tomamos uma criança e damos-lhe, imediatamente, a tarefa de caminhar vinte milhas. Ou o pequenino morre ou, um em mil, arrasta-se pelas vinte milhas, chegando ao fim exausto e meio morto. Isso é o que geralmente tentamos fazer com o mundo. Nem todos os homens e mulheres de qualquer sociedade têm a mesma mente, a mesma capacidade, ou o mesmo poder de fazer coisas: devem ter idéias diferentes, e não temos o direito de escarnecer de ideal algum. Que cada qual faça o máximo para atingir o seu ideal próprio. Não é direito que eu seja julgado pelos vossos padrões e vós pelos meus. A macieira não pode ser julgada pelos padrões do carvalho, nem o carvalho pelos da macieira. Para julgar a macieira deveis tomar a macieira como padrão, e para o carvalho o seu próprio padrão.

Unidade na variedade é o plano da criação. Por muito que homens e mulheres possam variar individualmente, há unidade no fundo de cena. Os caracteres e classes individuais de homens e mulheres são as variações naturais da criação. Portanto, não devemos julgá-los pelos mesmos padrões ou colocar diante deles o mesmo ideal. Tal coisa criaria apenas uma luta anti-natural, como o resultado de que o homem começa a odiar-se e é impedido de se tornar religioso e bom. Nosso dever é encorajar cada qual em sua luta para realizar seu próprio ideal maior, e esforçar-nos, ao mesmo tempo, para tornar esse ideal o mais próximo possível da verdade.

A vida de cada pessoa, de acordo com as escrituras hindus, tem seus deveres particulares, além dos que são comuns à humanidade. A vida do hindu começa como estudante. Depois, casa-se e torna-se um chefe de família. Na velhice, aposenta-se. Finalmente, abandona o mundo e torna-se um saniásin . Para cada um desses estágios da vida existem certos deveres pendentes. Nenhum desses estágios é intrinsecamente superior ao outro. A vida do homem casado é tão grandiosa como a do celibatário que se devotou ao trabalho religioso. O limpador de imundícies das ruas é tão grande e glorioso como o rei em seu trono. Tirai o rei de seu trono, levai-o a fazer o trabalho do limpador, e vede com ele se arranja. Substituí-o pelo limpador e vede como este governará. 9 fútil dizer que o homem que vive fora do mundo é maior do que o que vive no mundo. É muito mais difícil viver no mundo e render culto a Deus do que abandoná-Lo e viver uma vida livre e cômoda.

Os quatro estágios da vida na índia foram, nos últimos tempos, reduzidos a dois - o do chefe de família e o de monge.

O chefe de família casa-se e cumpre seus deveres como cidadão.

O dever do outro é devotar inteiramente suas ene ias à religião pregar e render culto a Deus.

O chefe de família é a base, o esteio, de toda a sociedade. É o ganhador principal. O pobre, o fraco, as crianças e as mulheres que não trabalham, vivem todos do chefe de família. Assim, há certos deveres que ele deve cumprir, e esses deveres o levam a sentir-se forte para cumpri-los, e não o deixam pensar que está fazendo coisas abaixo do seu ideal. Ao mesmo tempo ele deve lutar para adquirir estas coisas: primeiro, conhecimento, depois, fortuna. Um chefe de família que não luta para se tornar rico é imoral. Se é preguiçoso e se contenta com uma vida ociosa, é imoral, porque Ihe dependem centenas de pessoas. Se consegue riquezas, centenas de outros serão assim mantidos.

Procurar a fortuna, nesse caso, não é mal, porque aquela fortuna é para distribuição. O chefe de família é o centro da vida e da sociedade. Para ele, adquirir fortuna e despendê-la nobremente é render culto, pois o chefe de família que luta para tornar-se rico através de bons meios e com bons propósitos, está fazendo, praticamente, a mesma coisa para alcançar a salvação que faz o anacoreta em sua cela, quando está rezando, já que neles vemos apenas os diferentes aspectos da mesmo virtude de auto-renúncia e auto-sacrifício sugeridos pelo sentimento de devoção a Deus e a tudo quanto é Ele.

Se um homem se retira do mundo para render culto a Deus, não deve pensar que os que vivem no mundo e trabalham pelo bem do mundo não estão rendendo culto a Deus. Nem os que vivem no mundo, para a esposa e filhos, pensem que os que abandonam o mundo são reles vagabundos, Cada um é grande em seu próprio lugar. Este pensamento será ilustrado com uma história.

Certo rei costumava indagar de todos os saniâsins que vinham ao seu país: "Qual é o maior homem? O que abandona tudo e torna-se um saniâsin, ou o que vive no mundo e cumpre seus deveres como chefe de família?" Muitos procuraram resolver esse problema. Alguns declararam que o sanikin era o maior, o que levava o rei a perguntar se podiam provar o que afirmavam. Como não o podiam, ordenava-lhes que se casassem e se tornassem chefes de família. Outros vinham, e diziam: "O chefe de família que cumpre seus deveres é o maior". Deles também o rei exigia provas. Como não podiam dá-Ias, fazia com que se tornassem chefes de família.

Por fim, chegou um sániâsin jovem, e o rei lhe fez a pergunta de sempre. E ele respondeu: -õ rei, cada um deles é igualmente grande em seu próprio lugar".

- Prova-me isso - exigiu o rei.

- Provarei - declarou o sanikin - mas deveis, primeiro, viver como vivo, por alguns dias, a fim de que eu possa provar-vos o que digo.

O rei consentiu, seguiu o sanikin para fora de seu território, e passou por muitas regiões até chegar a um grande reino. Na capital desse reino realizava-se uma cerimônia. O rei e o saniâsin ouviram o ruído de tambores e de música, e a voz de um arauto. É que o povo estava reunido nas ruas, vestido de gala, e uma proclamação ia sendo feita . O rei e o saniksin ficaram ali, para ver o que aconteceria. O arauto proclamava em altas vozes que a princesa, filha do rei daquele país, estava para escolher um marido, entre os rapazes que se reunissem diante dela.

Era velho costume na índia as princesas escolherem assim os seus maridos. Cada princesa tinha sua opinião sobre a espécie de homem que desejava para esposo. Algumas queriam o mais bonito, outras o mais sábio, outras o mais rico, e assim por diante. Todos os príncipes da vizinhança se adornavam com suas mais belas roupas para se apresentarem diante da jovem, e às vezes também tinham seus arautos, que enumeravam suas vantagens e as razões pelas quais esperavam que a princesa os escolhesse. A princesa seria trazida num trono, esplendorosamente vestida, e olharia, e ouviria o que se diria sobre os pretendentes. Se não lhe agradasse o que visse e ouvisse, diria aos que carregavam seu trono: "Segui!" E não tomava conhecimento do pretendente rejeitado. Se, entretanto, a princesa se agradasse de algum, atirava-lhe uma grinalda de flores e ele se tornaria seu marido.

A princesa do país onde haviam chegado o rei e o saniásin estava passando por uma dessas interessantes cerimônias. Era a mais bela princesa do mundo, e seu marido seria o governante do reino, depois da morte do velho rei, seu pai. A idéia da princesa era casar-se com o homem mais bonito, mas não conseguia encontrar um que lhe agradasse. Várias cerimonias já haviam sido realizadas, mas a princesa não conseguira escolher um marido. A do momento era a mais esplêndida de todas, e a ela concorrera mais gente do que nunca. A princesa chegou no seu trono, e os carregadores levaram-na de um ponto para outro. Ela não parecia se agradar de ninguém, e todos se sentiam desapontados porque aquela reunião também iria terminar em insucesso.

Então, apareceu um jovem, um saniâsin, formoso como o Sol que tivesse descido à terra, e ficou a um canto, observando o que se passava. O trono da princesa aproximou-se dele, e assim que a moça viu o belo saniâsin, atirou-lhe a grinalda.

O jovem apanhou-a, a, atirando-a fora, exclamou:

- Que tolice é essa? Sou um saniâsin. Que significa para mim o casamento ?

O rei pensou que aquele homem, talvez por ser pobre, não ousasse casar com sua filha. Assim, disse-lhe:

- Minha filha leva agora a metade do meu reino, e todo o reino lhe pertencerá depois da minha morte!

Dizendo isso, tornou a colocar a grinalda sobre o saniâsin.

O jovem arrancou-a mais uma vez, exclamando:

- Tolice! Não quero casar-me!

E afastou-se dali, rapidamente.

Bem, a princesa de tal maneira se apaixonara pelo jovem que declarou:

- Caso-me com ele, ou morrerei.

E acompanhou-o, para trazê-lo de volta. Então, nosso outro saniâsin, o que trouxera o rei até ali, disse a este, último:

- Rei, sigamos estes dois.

Caminharam atrás deles, mas a uma boa distância. O jovem santasin que recusara casar-se com a princesa, caminhou pela região a dentro, durante várias milhas. Quando chegou a uma floresta, internou-se nela, e a princesa seguiu-o, enquanto os outros seguiam a ambos. Ora, aquele jovem saniásin conhecia bem a floresta e sabia encontrar todos os seus intrincados atalhos. Tomou subitamente um deles, desaparecendo. A princesa não conseguiu descobri-lo. Depois de tentar encontrá-lo durante muito tempo, sentou-se sob uma árvore e começou a chorar, pois não sabia como sair dali. Então, nosso rei e o outro saniâsin aproximaram-se dela e disseram-lhe:

- Não choreis, nós vos mostraremos como sair desta floresta, mas agora está escuro demais para isso. Aqui temos uma árvore bem grande. Repousemos sob ela, e pela manhã bem cedo nós vos mostraremos o caminho.

Bem, havia naquela árvore um ninho onde moravam um passarinho, sua esposa, e três filhinhos. O passarinho, olhando para baixo, viu as três pessoas sob a árvore. Disse, então à sua esposa:

- Minha querida, que faremos? Temos hóspedes em casa, é inverno, e não temos fogo.

Assim, voou, trouxe no bico um cavaquinho de lenha ardente, e deixou-o cair diante de seus hóspedes, que juntaram mais lenha e fizeram uma fogueira resplandecente. Mas o passarinho não estava satisfeito, e disse à sua esposa.-

- Minha querida, que faremos? Nada existe para essas pessoas comerem, e elas têm fome. Somos os donos da casa, e é nosso dever alimentar quem a ela venha. Devemos fazer o que pudermos. Eu lhes darei meu corpo.

Assim dizendo, atirou-se no fogo e pereceu. Os hóspedes viram-no quando caía e tentaram salvá-lo, mas o pássaro foi rápido demais para os três. Então, a esposa do passarinho, ao ver o que o marido fizera, disse:

- Aqui estão três pessoas e somente um passarinho para elas comerem. Não é o bastante. Que tenham também o meu corpo.

Atirou-se ao fogo e morreu queimada.

Então, os três filhotes, ao verem o que acontecera, e percebendo que aquilo ainda não era bastante para os seus hóspedes, disseram:

- Nossos pais fizeram o que puderam, e ainda assim não é o bastante. É de nosso dever continuar o trabalho de nossos pais. Que nossos corpos os sigam.

E atiraram-se também ao fogo.

Estupefatas com o que viam, as três pessoas não puderam, naturalmente, comer aqueles pássaros. Passaram a noite sem alimento, e pela manhã o rei e o saniâsin mostraram o caminho à princesa, que retornou para junto de seus pais.

Então, o saniâsin disse ao rei:

- Majestade, vistes que cada qual é grande em seu próprio lugar. Se quiserdes viver no mundo, vivei como aqueles pássaros, pronto a sacrificar-vos pelos outros a qualquer momento. Se quereis renunciar ao mundo, sede como aquele jovem para o qual a mais bela mulher, e um reino, nada representaram. Se quiserdes ser um chefe de família, considerai vossa vida como um sacrifício pelo bem-estar de outros, e se escolherdes a vida de renúncia, nem sequer volteis os olhos para a beleza, o dinheiro, ou o poder. Cada qual é grande em seu papel, mas o dever de um não é o dever de outro.

Quatro Yogas deAuto-Realização


Swami Vivekananda

Nenhum comentário:

Postar um comentário