sábado, 2 de julho de 2011

Auto-realização através do serviço altruísta (Karma Yoga) - quarta parte

A roda do mundo dentro de uma roda é um terrível mecanismo. Só há duas maneiras de se sair dela. Uma í abandonar toda preocupação com a máquina, deixá-la andar e ficar de lado - abandonar nossos desejos. Isso é muito fácil de dizer, mas quase impossível de fazer A outra maneira é mergulhar no mundo o aprender o segredo do trabalho. Não fujais das rodas da máquina-do-mundo, mas permanecei dentro dela o aprendei o segredo do trabalho. Através de trabalho adequado, feito no interior, também é possível realizar.


Este universo é apenas uma parte da Existência infinita, atirada a um molde peculiar, composto de espaço, tempo e causalidade. Segue-se, necessariamente, que só pode existir lei dentro desse universo condicionado. Para além dele não pode haver lei alguma. Quando falamos do universo, queremos falar apenas daquela porção de Existência limitada pelas nossas mentes - o universo dos sentidos, que podemos ver, tocar, ouvir, conjeturar, imaginar. Só esta porção está. sob lei; mas além dela, a Existência não pode estar sujeita à lei, porque a causalidade não se estende para além do mundo das nossas mentes. O que quer que fique para além do âmbito de nossa mente e de nossos sentidos, não está preso à lei de causalidade, pois não há associação mental de coisas na região além dos sentidos, nem causalidade nem associação de idéias. Só quando o Ser ou Existência se amolda em nome e forma é que obedece à lei de causalidade e se diz estar sujeito à lei, porque toda a lei tem sua essência na causalidade.

Vemos, portanto, que não há essa coisa a que chamam livre arbítrio. As próprias palavras são uma contradição, porque a vontade é o que conhecemos, e tudo quanto conhecemos está dentro do nosso universo, e tudo quanto está dentro do nosso universo é moldado pela condição de espaço, tempo e causalidade. Tudo quanto sabemos, ou podemos chegar a saber está sujeito à causalidade, e o que obedece à lei de causalidade não pode ser livre. Recebe a influência de outros agentes e, por sua vez, torna-se uma causa. Mas aquilo que foi convertido em vontade, e que antes não era vontade, mas que, quando cai no molde espaço, tempo e causalidade, converte-se em vontade humana, é livre. E quando essa vontade sai para fora do molde de espaço, tempo e causalidade, é livre de novo. Da liberdade ela vem, amolda-se a esse cativeiro, e dele sai e regressa de novo à liberdade.

Tem-se indagado de quem procede este universo, em quem ele repousa, e para quem ele vai. E tem-se respondido que ele vem da liberdade, repousa no cativeiro, e volta à liberdade, novamente. Assim, quando falamos do homem como do Ser infinito que se manifesta, queremos dizer que apenas uma partícula disso é homem. Este corpo e esta mente que vemos são apenas uma parte do todo, apenas um ponto do Ser infinito. Este universo todo é apenas uma partícula do Ser infinito e todas as nossas leis, nossos cativeiros, nossas alegrias e nossos desgostos, nossas expectativas estão apenas dentro deste pequeno universo. Toda a nossa progressão e regressão estão dentro de seu pequeno perímetro.

Para adquirir a liberdade devemos transpor as limitações deste universo. Não pode ser encontrada aqui. Equilíbrio perfeito, ou o que os cristãos chamam paz que ultrapassa toda compreensão, não pode ser adquirida neste universo, nem no céu, nem em parte alguma onde nossa mente e pensamentos possam atingir, onde os sentidos possam sentir, ou que a imaginação possa conceber. Tal lugar não nos pode dar liberdade, porque todos os lugares assim estariam dentro do nosso universo, e nosso universo é limitado pelo espaço, tempo e causalidade. Pode haver lugares que sejam mais etéreos do que esta nossa Terra, onde os prazeres sejam mais agudos, mas mesmo esses lugares estarão dentro do universo, e portanto, sob o cativeiro da lei. Assim, temos de ir além, e a verdadeira religião começa onde o universo termina.

Aqui terminam essas pequenas alegrias e desgostos e esse conhecimento das coisas, e começa a Realidade. Enquanto não abandonarmos a sede de viver, o forte apego a essa nossa existência transitória, condicionada, não teremos esperança de obter sequer um relance daquela infinita liberdade do além.

A razão percebe, então, que há apenas uma maneira de obter aquela liberdade, meta de todas as mais nobres aspirações da humanidade, e essa maneira é renunciando esta pequena vida, renunciando este pequeno universo, renunciando esta terra, renunciando o céu, renunciando o corpo, renunciando a mente, renunciando tudo quanto é limitado e condicionado. Se renunciar-mos nosso apego a este pequeno universo dos sentidos e da mente, imediatamente seremos livres. A única forma de sair do cativeiro é transcender as limitações da lei, transcender a causalidade.

É, porém, uma coisa muitíssimo difícil renunciar ao apego a este universo. Poucos já o conseguiram. Há duas maneiras de fazer isto, mencionadas em nossos livros. Uma é chamada a Neti, neti (Isso não, isso não). A outra é chamada Iti (Isto). A primeira é a forma negativa, e a segunda é a forma positiva. A forma negativa é a mais difícil. Só é possível para homens de altíssimas mentes e vontade gigantesca, que apenas se erguem e dizem - "Não, não receberei isto". E a mente e o corpo obedecem à sua vontade, e eles têm sucesso. Mas essas pessoas são muito raras. A vasta maioria da humanidade escolhe a maneira positiva, o caminho através do mundo, fazendo uso de todos os cativeiros para romper esses mesmos cativeiros. Essa é também uma forma de renúncia, feita tão-só lenta e gradualmente, através do conhecimento das coisas, do gozo das coisas, obtendo-se assim experiência e conhecendo a natureza das coisas até que, afinal, a mente as deixe partir todas e se torne desapegada.

A primeira forma de obter o desapego é através do raciocínio, e a última é através da ação e da experiência. A primeira é o caminho da Jnana-Yoga, que se caracteriza pelas ações práticas. Todos devem trabalhar no universo. Somente aqueles que estão perfeitamente satisfeitos com o Eu, cujos desejos não vão além do Eu, para quem o Eu é tudo - só esses não trabalham. O resto deve trabalhar.

Uma corrente d'água precipitando-se de seu leito normal, tomba num vácuo e forma um remoinho. Depois de fluir um pouco nesse remoinho, emerge novamente sob a forma de corrente livre, continuando então sem tropeços. Cada vida humana é como essa corrente. Tomba no remoinho e fica envolvida neste mundo de espaço, tempo e causalidade. Rodopia um pouco exclamando: "meu pai, meu irmão, meu nome, minha fama -, etc., e, finalmente, dele emerge livre, obtendo mais uma vez sua liberdade original. Todo o universo está fazendo isso. Saibamos ou não, sejamos ou não conscientes disso, todos estamos trabalhando para sair do sonho do mundo. A experiência do homem no mundo é feita para possibilitar-lhe a saída de seu remoinho.

Que é Karma-Yoga? P, o conhecimento do segredo da ação. Vemos que todo o universo trabalha. Para quê? Para a salvação, para a liberdade. Desde o átomo até o mais alto ser, trabalham todos para o mesmo fim: liberdade para a mente, para o corpo, para o espírito. Todas as coisas estão tentando conseguir liberdade, fugindo ao cativeiro. O Sol, a Lua, a Terra, os planetas - todos estão tentando escapar do cativeiro. As forças centrífugas e centrípetas da natureza são, realmente, típicas do nosso universo.

Para encontrar saída do cativeiro do mundo, temos de atravessá-lo lenta e seguramente. Pode haver pessoas excepcionais, das quais acabei de falar, que conseguem ficar de lado e abandonar o mundo, como a cobra que abandona sua pele e fica a olhar para ela, ali ao lado. Não há dúvida que esses seres excepcionais existem. O resto da humanidade, porém, deve ir lentamente, através do mundo do trabalho. Karma-Yoga mostra o processo, o segredo e o método de fazer isso com os melhores resultados.

Que diz ela? Trabalhai incessantemente, mas abandonai todo o apego ao trabalho. Não vos identifiqueis com coisa alguma. Mantende vossa mente livre. Tudo isso que vedes - as dores e as angústias - são apenas condições necessárias neste mundo, Pobreza, riqueza e felicidade, são momentâneas, apenas. Não pertencem absolutamente à nossa natureza verdadeira. Nossa natureza está muito além da angústia e da felicidade, além de qualquer objeto dos sentidos, além da imaginação. Ainda assim, devemos continuar trabalhando todo o tempo. A angústia surge do apego, não do trabalho. Assim que nos identificamos com o trabalho que fazemos, sentimo-nos angustiados, mas se não nos identificarmos com ele, não sentiremos essa angústia. Se um belo quadro pertencente a outra pessoa se incendeia, um homem geralmente não se torna angustiado, mas quando é seu próprio quadro que se queima, quão angustiado ele se sente! Por quê? Ambos eram quadros muito belos, talvez cópias do mesmo original, mas num caso é muito maior a angústia sentida do que no outro. Isto se dá porque num caso ele se identifica com o quadro, e no outro caso não.

Esses "eu e meu" causam toda a angústia. Com o senso de posse vem o egoísmo, e o egoísmo traz angústia. Todo o ato ou pensamento egoísta torna-nos apegados a algo, e imediatamente nos tornamos escravos. Portanto, Karma-Yoga diz-nos que goze-mos a beleza de todos os quadro do mundo, mas não nos identifiquemos com nenhum deles. Nunca digais "meu". Sempre que dizemos de uma coisa que é "minha", a angústia aparece imediatamente. Não digais sequer - meu filho", em vossa mente. Se o fizerdes, virá a angústia. Não digais "minha casa", não digais "meu corpo". Toda a dificuldade está aí. O corpo nem é vosso, nem meu, nem de ninguém. Esses corpos vêm e vão segundo as leis da natureza, mas nós somos livres, permanecendo alheios como testemunhas. Este corpo não é mais livre do que um quadro numa parede. Por que nos apegaríamos tanto a um corpo? Se alguém pinta um quadro, faz isso e passa. Não projetais o tentáculo de egoísmo que diz: "devo possuir isso". Assim que ele é projetado, tem início a angústia.

Aqui estão duas formas de desistir de todo o apego. Uma é para os que não acreditam em Deus ou em qualquer auxílio exterior. Esses são deixados aos seus próprios recursos, e têm, simplesmente, que trabalhar com sua própria vontade, com os poderes de suas mentes e discernimento, dizendo: "Não devo ser apegado". Para os que acreditam em Deus, há um outro caminho, que é muito menos difícil, Eles dedicam os frutos do trabalho ao Senhor. Trabalham e jamais se apegam aos resultados. O que quer que vejam, sintam, ouçam ou façam, é para Ele. Para qualquer bom trabalho que nos aconteça fazer, não reclamemos louvores ou benefícios. O trabalho pertence ao Senhor, e os frutos devem ser entregues a Ele. Fiquemos de lado, e pensemos que somos apenas servos, obedecendo ao Senhor, nosso Mestre, e que cada impulso para a ação nos vem d'Ele a cada momento. O que quer que cultueis, o que quer que compreendais, o que quer que façais - ofertai tudo a Ele, e ficai em paz.

Fiquemos em paz, em paz perfeita conosco mesmos, e dediquemos todo o nosso corpo e nossa mente, e tudo o mais, como sacrifício eterno, ao Senhor. Em lugar do sacrifício que manda derramar oferendas no fogo, façamos este grande sacrifício, noite e dia - o sacrifício do nosso pequeno eu. - Procurei riquezas neste mundo, e Tu foste a única riqueza que encontrei; sacrifico a Ti a minha pessoa. Procurei alguém para amar, e Tu és o único bem-amado que encontrei; sacrifico a Ti a minha pessoa." Repitamos isto dia e noite, e digamos: "Nada para mim. Não importa que sejam coisas boas, más, ou indiferentes; não me interesso por elas. Sacrifico tudo a W'. Dia e noite, renunciemos nosso eu aparente, até que se torne um hábito para nós o fazermos isso, até que isso nos penetre no sangue, nos nervos, no cérebro, e todo o corpo, a cada momento, esteja obediente a essa idéia de renúncia do eu. Entrai, então, no campo de batalha, com o troar do canhão e o fragor da guerra, e vereis que estais livres e em paz.

Karma-Yoga ensina-nos que a idéia comum de dever está em plano inferior. Ainda assim, todos nós temos de cumprir nosso dever. Apesar disso, podemos ver que esse senso peculiar de dever é muitas vezes uma grande causa de angústia. O dever torna-se como uma doença, para nós. Toma conta de nós, e faz-nos a vida detestável. -9 a maldição da vida humana. Esse dever, essa idéia de dever, é o Sol do auge do verão, que vem crestar a alma recôndita da humanidade. Olhai para esses pobres escravos do dever! O dever não lhes dá tempo de fazerem suas orações, não lhes dá tempo para se banharem. O dever está sempre sobre eles. Saem, e trabalham. O dever está sobre eles! Isso é viver como escravos, por fim tombando na rua e morrendo arreados, como os cavalos. Isso é o dever, tal como é entendido.

O único e verdadeiro dever é ser desapegado e trabalhar como seres livres, oferecer todo o trabalho a Deus. Todos os nossos deveres aí estão. Abençoados somos nós, que nos vemos dispensados aqui. Servimos durante o nosso tempo, e se o fazemos mal ou bem, quem o sabe? Se o fazemos bem, não teremos os frutos. Se o fazemos mal, também não nos importamos. Repousai, sede livres, e trabalhai.

Que é o dever, afinal? É, realmente, o impulso da carne, ou o nosso apego. E quando um apego se estabelece, chamamo-lo dever. Por exemplo, nos países onde a gente não se casa, não, há dever entre marido e mulher. Quando vem o casamento, marido e mulher vivem juntos por causa do apego, e essa espécie de vida em comum fica estabelecida depois de gerações, e, uma vez estabelecida, torna-se um dever. Trata-se, por assim dizer, de uma espécie de moléstia crônica. Quando o apego se torna crônico, batizamo-lo com o altissonante nome de dever. Juncamo-lo de flores, fazemos soar por ele as trombetas, recitamos a propósito dele textos sagrados, e então o mundo inteiro luta e os homens animadamente se roubam uns aos outros, por amor a esse dever.

O dever é bom até o ponto em que detém a brutalidade. Para os tipos comuns de homens, que não podem ter qualquer outro ideal, ele é de certa forma bom, mas os que desejam tornar--se karma-yogues devem atirar para longe a idéia de dever. Não há dever para vós e para mim. O que quer que tenhais de dar ao mundo, dai, seja como for, mas não como dever. Não aceiteis qualquer pensamento nesse sentido. Não sejais compelidos. Por que seríeis compelidos? Tudo quanto fazeis sob compulsão gera apego. Entregai tudo a Deus. Nessa tremenda, violenta fornalha onde o fogo do dever cresta toda a gente, bebei esta taça de néctar e sede felizes.

Nós estamos, simplesmente, cumprindo Sua vontade, e nada temos a ver com recompensas e punições. Se desejais a recompensa, deveis ter também a punição. A única maneira de escapar à punição é desistir da idéia de recompensa. A única maneira de escapar à angústia é abandonar a idéia de felicidade, porque as duas estão presas uma à outra. De um lado está a felicidade, e do outro, a angústia. De um lado está a vida, e do outro, a morte. A única maneira de transpor ambas é abandonar o amor à vida. A vida e a morte são a mesma coisa, vista de pontos diferentes. Assim, a idéia de felicidade sem angústia, ou de vida sem angástia, ou de vida sem morte, é muito boa para meninos de escolas e crianças, mas o pensador vê em tudo isso uma contradição em termos, e abandona ambas. Não busqueis louvores, não busqueis recompensa pelo que quer que tenhais feito. Mal terminamos de realizar uma boa ação, começamos a desejar crédito por ela. Mal damos dinheiro para alguma obra de caridade, já queremos ver nossos nomes citados nos jornais. A angústia surge como resultado de tais desejos.

Na presença de uma Providência sempre ativa, que observa mesmo a queda de um pardal, como pode o homem ligar qualquer importância ao seu próprio trabalho? Não será blasfêmia fazer tal coisa, quando sabemos que Ele cuida das mínimas coisas deste mundo? Só nos cabe ficar diante d'Ele, em veneração e respeito, dizendo: "Tua vontade será cumprida".

Os homens superiores não podem trabalhar, porque neles não existe apego. Os que se tornaram sempre associados com o Eu, não há trabalho para eles. São eles, realmente, os mais elevados da humanidade, mas, além deles, todos os demais têm de trabalhar. Em assim trabalhando, jamais devemos pensar que pode-mos ajudar sequer a mínima coisa existente neste universo. Não o podemos. Só nos ajudamos a nós mesmos neste ginásio do mundo. Essa é a atitude adequada para o trabalho. Renunciai a todos os frutos do trabalho, fazei o bem por amor ao bem; então, e só então, virá o perfeito desapego. Os liames do coração serão assim rompidos, e colheremos a liberdade perfeita. Essa Liberdade é, realmente, a meta da karma-yoga.

A idéia que em seguida encaramos, é a da igualdade. A promessa de um milênio tem sido um grande incentivo para o trabalho. Muitos religiosos a pregam como uma de suas doutrinas, isto é, que Deus está para vir governar o universo, e então não haverá diferença absolutamente nenhuma nas condições Os que pregam tal doutrina são meros fanáticos, e os fanáticos são, realmente, os indivíduos mais sinceros da humanidade. O Cristianismo foi pregado precisamente na base da fascinação desse fanatismo, e foi isso que o tornou tão atraente para os escravos gregos e romanos. Eles acreditavam que sob a religião milenar não mais haveria escravidão; que existiria fartura de coisas para comer e beber, e portanto, se constituíram em rebanho em torno dos padrões cristãos. Os que pregaram a idéia, de início, eram, naturalmente, fanáticos ignorantes, mas muito sinceros. Nos tempos modernos essa aspiração milenar é expressa em termos de igualdade - de liberdade, igualdade, e fraternidade. Também isso é fanatismo.

A verdadeira igualdade jamais existiu e jamais existirá sobre a Terra. Como podemos ser todos iguais, aqui? Essa impossível espécie de igualdade implica em morte total. O que faz deste mundo o que ele é? O equilíbrio perdido. No estado original, que é chamado caos, houve equilíbrio perfeito. Como vieram, então, todas as forças formadoras do universo? Pela luta, pela competição, pelo conflito. Suponhamos que todas as partículas de matéria fossem mantidas em equilíbrio: haveria algum processo de criação? Sabemos, através da Ciência, que isso seria impossível. Perturbai um lençol de água, e vereis que cada partícula de água tenta acalmar-se de novo, correndo ao encontro da outra. Da mesma maneira, o fenômeno a que chamamos uni. verso - todas as coisas que nele existem - estão lutando para voltar ao estado de perfeito equilíbrio. De novo aparece a turbulência, e de novo temos combinação e criação. Desigualdade é a própria base da criação. Ao mesmo tempo, as forças que lutam para obter igualdade são tão necessárias à criação como as que destroem essa igualdade.

Igualdade absoluta, que significa perfeito equilíbrio de todas as forças em luta em todos os planos, jamais poderá existir neste mundo. Antes que alcanceis tal estado, o mundo ter-se-ia tornado de todo inadequado para qualquer espécie de vida, e não haverá aqui ninguém. Verificamos, portanto, não só que todas essas idéias do milênio e de igualdade absoluta são impossíveis, mas, também, que se tentarmos levá-las adiante, elas nos conduzirão, sem dúvida alguma, ao dia da destruição. Que faz a diferença entre um homem e outro? É, amplamente, a diferença no cérebro. Hoje em dia, ninguém, a não ser um lunático, dirá que todos nascemos com o mesmo potencial cerebral. Vimos ao mundo com dotes desiguais. Vimos como homens maiores ou menores, e não e possível que nos afastemos dessa determinada condição pré-natal. Os índios americanos viveram neste país durante milhares de anos, e apenas um punhado de vossos ancestrais vieram ter a esta sua terra. Que diferença realizaram estes no aspecto do país! Por que não fizeram os índios melhoramentos nem construíram cidades, se eram ambos iguais? Com vossos ancestrais aportou ao país uma espécie diferente de energia cerebral, vieram diferentes complexos de impressões passadas, e manifestaram-se. Absoluta não-diferenciação é morte. Enquanto este mundo durar, a diferenciação existirá e deverá existir, e o milênio de perfeita igualdade só surgirá quando um ciclo de criação alcançar seu fim. Antes disso, a igualdade não pode existir.

Ainda assim, essa idéia de interpretar o milênio é uma grande força motriz. Tanto é necessária a desigualdade para a própria criação, como a luta para limitá-la. Se não houvesse luta para nos libertarmos e voltarmos para Deus, também não teria havido criação. É a diferença entre essas duas forças que determina a natureza dos motivos dos homens. Haverá sempre esses motivos para trabalhar, alguns tendendo para o aprisionamento, e outros para a liberdade.

A roda deste mundo dentro de uma roda é um mecanismo terrível. Se pomos nossas mãos nela, assim que somos apanhados desaparecemos. Todos pensamos que quando tivermos cumprido um determinado dever, estaremos em paz, mas antes que tenhamos feito uma parte desse dever um outro já está à nossa espera. Todos estamos sendo arrastados por essa poderosa, complexa máquina mundial. Só há duas maneiras de se sair dela. Uma é abandonar toda preocupação com a máquina, deixá-la andar e permanecer de lado - desistir de nossos desejos. Isso é muito fácil de dizer, mas quase impossível de fazer. Não sei se em vinte milhões de homens, um poderia fazer tal coisa. A outra maneira é mergulhar no mundo e aprender o segredo do trabalho. Esse é o caminho da Karma-Yoga. Não fujais das rodas da máquina do mundo, mas permanecei dentro dela e aprendei o segredo do trabalho. Através de trabalho adequado, feito interiormente, também é possível realizar. O caminho de saída é através dessa maquinaria.

Vimos agora o que é o trabalho. É parte do fundamento da natureza, e prossegue sempre. Os que acreditam em Deus, compreendem isso melhor, porque sabem que Deus não é um ser tão incapaz que necessite de nossa ajuda. Embora o universo continue sempre, nossa meta é a liberdade, nossa meta é a abolição do egoísmo. E, segundo a karma-yoga, é pelo serviço que se atinge essa meta. Todas as idéias que visem tornar o mundo perfeitamente feliz, podem ser boas forças motrizes para fanáticos, mas devemos saber que o fanatismo dá origem tanto ao mal quanto ao bem. O karma-yogue pergunta por que desejais um motivo qualquer a não ser o amor inato da liberdade. Colocai-vos acima dos motivos "dignos". "Tendes direito ao trabalho, mas não aos frutos dele.- O homem pode educar-se para conhecer e praticar isso, diz o karma-yogue. Quando a idéia de fazer o bem se torna uma parte de seu próprio ser, então ele não mais procurará motivos fora de si mesmo. Façamos o bem porque é bom fazer o bem. Quem faz bom trabalho, mesmo para ganhar o céu, aprisiona-se, diz o karma-yogue. Qualquer trabalho feito com o menor dos motivos egoísticos, em lugar de nos fazer livres, forja ainda uma cadeia para nossos pés.

Assim, a única forma é abrir mão de todos os frutos do trabalho, desapegar-se deles. Saber que este mundo não é "nós", nem nós somos este mundo. Que realmente não somos o corpo, que realmente não trabalhamos. Somos o Eu, eternamente em repouso e em paz. Por que estaríamos presos ao que quer que fosse? É muito bom dizer que deveríamos ser perfeitamente desapegados, mas de que forma o seríamos? Todo o bom trabalho que façamos sem motivo ulterior, em lugar de forçar nova cadeia, romperá os elos das cadeias já existentes. Cada bom pensamento que enviamos ao mundo, sem pensar em retribuição, será armazenado e romperá um elo da cadeia, e nos tornará cada vez mais puros, até que nos tornemos os mais puros dos mortais.

Deixai-me dizer-vos, em conclusão, umas poucas palavras sobre um homem que levou o ensinamento de Karma-Yoga à prática. Esse homem é Buda. Levou-o à prática perfeita. Buda é o único profeta que disse: "Não me importa conhecer vossas teorias sobre Deus. Que adianta discutir todas as doutrinas sutis sobre a alma? Fazei o bem e sede bons, e isso vos trará liberdade e a verdade que existir". Em sua conduta na vida, ele era absolutamente destituído de motivos pessoais. Que homem trabalhou mais do que ele? Mostrai-me na história uma personalidade que tenha pairado tão alto. Toda a raça humano. produziu apenas uma personalidade assim, uma filosofia tão elevada, uma simpatia tão ampla.

Esse grande filósofo, pregando a mais alta filosofia, ainda assim teve a mais profunda comiseração pelo mais ínfimo dos animais, e jamais vindicou algo para si próprio. Ele é o karma-yogue ideal, agindo inteiramente sem motivos. É o primeiro grande reformador que o mundo viu. Foi o primeiro que ousou dizer: "Não acrediteis porque vos mostraram alguns velhos manuscritos. Não acrediteis por se tratar de vossa crença nacional, fizeram acreditar desde a vossa infância. Provai vossa crença e depois que a tiverdes analisado descobrirdes que e fará bem a todos, então acreditai nela, vivei-a, e ajudai outros porque vossa crença, a vivê-Ia e a acreditar nela".

Trabalha melhor quem trabalha sem interesse algum - nem por dinheiro, nem por fama, nem por qualquer outra coisa. O homem que fizer isso, será um Buda ' e dele virá o poder de trabalhar de tal maneira que transformará o mundo. Esse homem representa o próprio e mais alto ideal da Karma-Yoga.

Quatro Yogas deAuto-Realização


Swami Vivekananda

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