sábado, 2 de julho de 2011

Auto-realização através do amor a Deus (Bhakti-Yoga) - segunda parte

Conquista a simpatia de todos, senta-te com todos, anota o nome de todos, dizei sim, sim mas mantém-te firme em teu lugar.


Cada alma se destina ao aperfeiçoamento, e todos os seres, ao fim, atingirão o estado de perfeição. O que quer que sejamos agora é o resultado de nossos atos e pensamentos no passado, e o que quer que sejamos no futuro será o resultado do que pensamos e fazemos agora. Mas esta modelação de nossos próprios destinos não nos impede de receber ajuda do exterior. Ainda mais, na vasta maioria dos casos, tal ajuda é absolutamente necessária; quando vem, os poderes e possibilidades superiores da alma são ativados, a vida espiritual é despertada, o crescimento é animado, e o homem se torna, por fim, santo e perfeito.

Esse impulso para a frente não pode ser haurido nos livros. A alma só pode receber impulsos de outra alma, e de nada mais. Podemos estudar os livros toda a nossa vida, podemos tornar-nos muito intelectuais, mas ao fim verificaremos que não nos desenvolvemos absolutamente no sentido espiritual * Não é verdade que uma ordem mais alta de desenvolvimento intelectual acompanhe sempre o desenvolvimento espiritual proporcionado ao homem.- Estudando livros somos às vezes levados à ilusão de pensar que por eles estamos sendo espiritualmente auxiliados. Mas, se analisarmos o efeito desses livros sobre nós, veremos que, no máximo, é apenas o nosso intelecto o que tira proveito de tais estudos, e não o nosso espírito interior. Essa inaptidão dos livros para acelerarem o crescimento espiritual é a razão pela qual, embora cada um de nós possa falar maravilhosamente sobre assuntos espirituais, quando chega o momento da ação e de viver a verdadeira vida espiritual, verificamos quão tremendas são nossas deficiências. Para ativar-nos o espírito, o impulso deve vir-nos de uma outra alma.

A pessoa de cuja alma esse impulso vem, é chamada gurú, o mestre; e a pessoa a cuja alma o impulso é dirigido, chama-se estudante. Para comunicar tal impulso a qualquer alma, em primeiro lugar, a alma da qual ele procede deve possuir o poder de transmiti-lo, por assim dizer, a outros. Em segundo lugar, a alma à qual é transmitido o impulso deve estar preparada para recebê-lo. A semente deve ser semente viva, e o campo deve estar arado, preparado; quando ambas essas condições se realizam, tem lugar um florescimento maravilhoso da genuína religião.

Só esses são os verdadeiros mestres, e só esses são os verdadeiros estudantes, os verdadeiros aspirantes. Todos os outros estão apenas brincando com a espiritualidade. Podem ter somente uma pequena curiosidade despertada, somente uma pequena aspiração intelectual acesa neles, mas ainda permanecem na ala externa do horizonte da religião. Há, não há dúvida, algum valor mesmo nisso, pois daí pode, no correr do tempo, resultar um despertar da. real sede de religião, e, por uma lei misteriosa da natureza, assim que o campo está preparado, a semente deve chegar, e chega. Assim que a alma deseja ansiosamente ter religião, o transmissor da força religiosa deve aparecer, e aparece, para ajudar essa alma. Quando o poder que atrai a luz da religião na alma do recipiendário é integral e forte, o poder que responde a essa atração e lhe envia a luz, surge como coisa natural.

Há, entretanto, certos perigos no caminho. Há, por exemplo, o perigo para a alma recipiendária, de confundir suas emoções momentâneas com o autêntico desejo de religião. Podemos estudar isso em nós mesmos. Muitas vezes, em nossas vidas morre alguém que amávamos. Recebemos um golpe, sentimos que o mundo está-nos fugindo entre os dedos, que desejamos algo mais seguro e mais alto, e que devemos nos tornar religiosos. Em poucos dias aquela onda de sentimentos passa, e ficamos encalhados no mesmo ponto em que estávamos antes. Todos nós confundimos, com freqüência, tais impulsos com a verdadeira sede de religião, mas, enquanto essas emoções momentâneas forem assim confundidas, o anseio autêntico e contínuo de religião não nos virá e não encontraremos o transmissor de espiritualidade. Assim, sempre que estejamos tentados a nos queixar de que nossa pesquisa em relação à verdade que tanto desejamos está-se revelando vã, nosso primeiro dever, em lugar de nos queixarmos, deve ser olhar dentro de nossas almas e verificar se o anseio do coração é autêntico. Então, na imensa maioria dos casos, descobriremos que não estamos preparados para receber a verdade, que não existe aquela sede genuína de espiritualidade.

Há ainda perigos maiores com referência ao transmissor, o gurú. Há muitos que, embora ainda imersos na ignorância, imaginam, no orgulho de seus corações, que sabem tudo, e não só não se detêm aí, mas oferecem-se para levar outros em seus ombros. E assim, cegos conduzindo cegos, tombam juntos no fosso. O mundo está cheio dessas pessoas. Todos querem ser mestres. Todo o mendigo quer fazer doações de um milhão de dólares! Assim como esses mendigos são ridículos, ridículos são esses mestres.

Como podemos conhecer um mestre, então? O Sol não precisa de tocha que o torne visível. Não precisamos acender uma vela para contemplá-lo. Quando o Sol se levanta, tornamo-nos instintivamente conscientes do fato, e quando um mestre de homens vem-nos ajudar, a alma saberá instintivamente que a verda. de já começou a brilhar sobre ela. A verdade apoia-se em seu próprio testemunho, e não requer qualquer outro para provar que é verdade. É auto-refulgente. Penetra nos mais recônditos escaninhos de nossa natureza, e à sua presença todo o universo se ergue e diz: "Esta é a verdade". Os mestres cuja sabedoria e verdade brilham como a luz do Sol, são os maiores que o mundo conheceu, e vêem-se cultuados como Deus pela maioria da humanidade. Mas também poderemos obter auxílio de outros relativamente menores. Apenas, não possuímos bastante intuição para julgar com propriedade o homem do qual recebemos ensinamento e orientação. Assim, precisa haver determinados testes, certas condições que o instrutor deve satisfazer, o mesmo se dando com o aprendiz.

As condições necessárias para o aprendiz são pureza, sede real de conhecimento, e perseverança.

No que se refere ao instrutor, devemos verificar se ele conhece o espírito das escrituras. Todo o mundo lê a Bíblia, os Vedas, o Corão, mas são apenas palavras, sintaxe, etimologia, filologia - os ossos secos da religião. O instrutor que usa palavra demais e permite que a mente seja distraída pela força das palavras, perde o espírito. Os que empregam tais métodos para ensinar religião a outros, estão apenas desejosos de exibir sua erudição, para que o mundo venha louvá-los como grandes eruditos. Verificareis que nem um só dos grandes instrutores do mundo jamais entrou nessas variadas explanações dos textos. Com eles não houve tentativa de "torturar com os textos”, nem o eterno jogo quanto à significação das palavras e suas raízes. Ainda assim, ensinaram nobremente, enquanto outros que nada têm a ensinar tomaram às vezes uma palavra, e escreveram um livro em três volumes sobre a sua origem, sobre o homem que a usou em primeiro lugar, sobre o que esse homem costumava comer, quanto tempo dormia, e assim por diante.

Bhagavan Ramakrishna costumava contar a história de alguns homens que foram a um pomar de mangueiras e se ocuparam em contar as folhas, os rebentos, os galhos, examinando sua cor, comparando seu tamanho, e anotando tudo muito cuidadosamente. Depois, meteram-se em erudita discussão sobre cada um daqueles tópicos, que, indubitavelmente, lhes pareciam altamente interessantes. Mas um deles, mais sensato do que os demais, não fez caso algum daquilo, e começou a comer uma manga. Não se revelou ele um sábio?

A segunda condição necessária para o instrutor é a impecabilidade. Ele deve ser perfeitamente puro, e só então suas palavras terão valia, porque só então ele é o verdadeiro transmissor. Que poderá ele transmitir se não tiver em si poder espiritual? Deve haver a valiosa vibração da espiritualidade na mente do instrutor, de forma que possa ser simpaticamente dirigida à mente do aluno. A função do instrutor é realmente um caso de transferência de algo, e não mero estímulo das faculdades intelectuais, ou de outras que existam no aprendiz. Algo real e apreciável como influência, vem do instrutor e vai para o aprendiz. Portanto, o instrutor deve ser puro.

A terceira condição relaciona-se com o motivo. O instrutor não deve ensinar por qualquer motivo ulterior, egoístico - por dinheiro, nome, ou fama. Seu trabalho deve ser simplesmente oriundo do amor puro pela humanidade em conjunto. O único meio através do qual a força espiritual pode ser transmitida é o amor. Qualquer motivo egoístico, tal como o desejo de ganho ou de nome, destruirá imediatamente esse método de comunicação. Deus é amor, e só quem conheceu Deus como amor, pode ser instrutor das coisas divinas e de Deus aos homens.

Quando virdes que em. vosso instrutor tais condições são integralmente preenchidas, estais seguros. Se não o são, não é seguro permitirdes ser ensinados por ele, pois há o grande perigo de, não podendo comunicar bondade ao vosso coração, ele comunique perversidade. Esse perigo deve ser evitado, por todos os meios. "Quem é culto nas escrituras, sem pecado, impoluído pela luxúria, esse é o maior conhecedor de Brama, é o verdadeiro instrutor."

Quem abre os olhos do aspirante depois da religião é o instrutor. Com o instrutor, portanto, nossas relações são idênticas às existentes entre um ancestral e seu descendente. Sem fé, humildade, submissão, e veneração em nossos corações para com o nosso instrutor, não haverá em nós qualquer florescimento religioso. É fato significativo que onde há essa espécie de relação entre o instrutor e o aprendiz, e só aí, surgem os homens de espiritualidade gigantesca, enquanto que nos países onde negligenciaram manter essa espécie de relação, o instrutor religioso se tornou um simples conferencista - o instrutor esperando seus cinco dólares e a pessoa ensinada esperando que seu cérebro se encha com as palavras do instrutor, e cada qual seguindo seu, caminho depois que isso foi feito. Sob tais circunstâncias a espiritualidade se torna quase uma quantidade desconhecida. Não há nada a transmitir nem nada a receber. A religião de tais pessoas se torna um negócio. Pensam que podem obtê-la com os seus dólares. Prouvesse a Deus que a religião fosse obtida tão facilmente! Mas, infelizmente, isso não é possível.

A religião, que é o mais alto conhecimento e a mais alta sabedoria, não pode ser comprada, nem adquirida através dos livros. Podeis meter vossas cabeças em todos os cantos do mundo, podeis explorar os Himalaias, os Cáucasos, os Alpes; podeis sondar o fundo do mar e esquadrinhar cada nesga do Tibete e do deserto de Gobi, mas não a encontrareis em parte alguma, enquanto vosso coração não estiver preparado para recebê-la e o vosso instrutor não tenha chegado. E quando o instrutor divinamente nomeado chegar, servi-o com a confiança e a simplicidade de uma criança, abri à sua influência, amplamente, o vosso coração, e vede nele Deus manifestado. Aos que procuram a verdade com tal espírito de amor e veneração, o Senhor da verdade revela as coisas mais maravilhosas com relação à verdade, à bondade e à beleza.

Onde quer que Seu nome seja pronunciado, esse lugar se santifica. Quanto mais santificado ficará o homem que pronuncia Seu nome, e com que veneração devemos nos aproximar do homem do qual vem ter a nós a verdade espiritual! Tais grandes instrutores da verdade espiritual são, realmente, muito poucos em número, neste mundo, mas o mundo jamais está inteiramente destituído deles. São sempre as mais belas flores da vida humana um oceano de misericórdia, sem qualquer motivação".

Mais nobre e mais alto do que todos os demais é outro grupo de instrutores, os avatares . Podem transmitir espiritualidade, com um toque, e mesmo com o simples desejo. Os mais baixos e degradados dos caracteres se tornam santos num segundo, sob a ordem deles. São os instrutores de todos os instrutores, as mais elevadas manifestações de Deus através do homem. Não poderemos ver a Deus, senão por intermédio deles. Não podemos deixar de cultuá-los. E, realmente, são eles os únicos que nos cabe cultuar.

Deus compreende as deficiências do homem e torna-se homem para fazer bem à humanidade. "Onde quer que a virtude decaia e a perversidade prevaleça, Eu me manifesto. Para estabelecer a virtude, para destruir o mal, para salvar o bem, Eu venho de época em época." "Os tolos escarnecem-Me por ter assumido forma humana, sem conhecer Minha real natureza como Senhor do Universo." Essa é a declaração de Sri Krishna no Bhagavad-Gitâ sobre a Encarnação. "Quando flui uma grande maré" - diz Bha-gavam Sri Ramakrishna - "enchem-se todos os pequenos riachos e fossos, sem qualquer esforço ou consciência de sua parte. Assim, quando a Encarnação vem, uma maré espiritual inunda o mundo, e as pessoas sentem a espiritualidade na própria atmosfera."

Quem aspira a ser um bhakta, deve saber que "quantas as opiniões tantos os caminhos". Deve saber que todas as várias seitas das diferentes religiões são as várias manifestações da glória do mesmo Senhor. "Chamam-Vos por muitos nomes. Dividem-Vos, por assim dizer, por diferentes nomes, e mesmo assim, em cada um destes se encontra a Vossa onipotência... Alcançais o devoto através de todos estes, e não há qualquer tempo especial, desde que a alma sinta intenso amor por Vós. É tão fácil aproximarmo-nos de Vós, e para mim seria um infortúnio não poder amar-Vos." Não apenas isso. O bhakta deve ter o cuidado de não odiar, sequer de criticar, esses radiantes filhos da luz que são os fundadores das várias seitas. Nem sequer deve ouvir dizer mal deles.

Muito poucos, realmente, são os que são, ao mesmo tempo, possuidores de ampla simpatia e poder de apreciação, bem como de intensidade de amor. Verificamos, como regra, que as seitas liberais e humanitárias perdem a intensidade dos sentimentos religiosos, e em suas mãos a religião tende a degenerar-se numa espécie de vida de clube político-social. Por outro lado, os sectários intensamente estreitos, enquanto exibem um amor bastante meritório pelos seus próprios ideais, mostram ter adquirido cada partícula desse amor através do ódio contra todos os que não sejam exatamente de sua mesma opinião. Quisera Deus que este mundo estivesse cheio de homens que fossem tão intensos em seu amor quão amplos em suas simpatias.! Mas tais homens são muito poucos e raros.

Ainda assim, sabemos que é possível educar um grande nú. mero de seres humanos no ideal de uma fusão maravilhosa da amplitude com a intensidade do amor. E a maneira de o conseguir é através do caminho do "ideal escolhido". Cada seita de cada religião apresenta à humanidade apenas um ideal que lhe é próprio. Mas a eterna religião vedantina abre ao gênero humano um número infinito de portas para ingressar-se no santuário recóndito da Divindade, e coloca diante da humanidade um quase inesgotável desfile de ideais, existindo em cada um deles uma manifestação do Eterno.

Bhaki-Yoga, portanto, nos impõe o mandamento imperioso de não odiar ou negar qualquer dos vários caminhos que conduzem à salvação. Contudo, a planta que está crescendo deve ser cercada a fim de protegê-la enquanto não se torna uma árvore. A tenra planta da espiritualidade morrerá, se exposta cedo demais à ação da constante mudança de idéias e de ideais. Muitas pessoas, em nome do que pode ser chamado liberalismo religioso, podem ser vistas alimentando sua ociosa curiosidade com uma contínua sucessão de ideais diferentes. Ouvir coisas novas constitue, para elas, uma espécie de doença, uma forma de ebriedade religiosa. Desejam ouvir coisas novas só para obter uma excitação nervosa temporária, e quando uma dessas influências excitantes já produziu seu efeito sobre elas, estão preparadas para outras.

A devoção a um ideal é absolutamente necessária ao principiante na prática da devoção religiosa. Ele deve dizer, como Hanuman no Ramayana : "Embora eu saiba que o Senhor de Sri (Vishnu) e o Senhor de janaki (Rama) são ambos manifestações do mesmo Ser Supremo, contudo o meu máximo em tudo é o Rama de olhos de Iótus". Ou, como disse o sábio Tulsidas: "Conquista a simpatia de todos, senta-te com todos, anota o nome de todos, dizei sim, sim - mas mantém-te firme em teu lugar".

Então, se o aspirante devocional for sincero, dessa pequena semente virá uma árvore gigantesca, como a banyan da Índia, lançando galho após galho, raiz após raiz, para todos os lados, até cobrir todo o campo da religião. Assim, o verdadeiro devoto compreende que Aquele que era seu próprio ideal na vida, é cultuado em todos os Ideais, por todas as seitas, sob todos os nomes, e através de todas as formas.

Com relação ao método e aos meios da Bkati-Yoga, lemos no comentário do Bhagavan Ramanuja sobre os Sutras da Vedanta: "A obtenção de Bhakti vem através do discernimento do domínio das paixões, dos exercícios, do trabalho sacrificial, da pureza, da energia, e da supressão da excessiva alegria".

Viveka, ou discernimento consiste, segundo Ramanuja, em discernir, entre outras coisas, o alimento puro do impuro. "Quando o alimento é puro, o elemento sattva se purifica e a memória se aprimora."

A questão de alimentos sempre foi das mais vitais no que se refere aos bhaktas. Excluída a extravagância a que atingiram algumas das seitas de Bhakti, há urna grande verdade subjacente nesta questão de alimentos. Os materiais que recebemos através da nossa alimentação, para a estrutura do nosso corpo, determinam, em grande parte, a nossa constituição mental. Portanto, o alimento que ingerimos deve ser visto de maneira muito particular.

Este discernimento do alimento é, afinal, de importância secundária. A passagem acima citada é explicada por Shankara de uma forma diferente, dando significação inteiramente diversa à palavra ahara, traduzida geralmente por "alimento". Segundo ele, "ahara é o que se recolhe. O conhecimento das várias sensações, tal como o do som, é recolhido para prazer do gozador. A purificação do conhecimento recolhido pelos sentidos se chama purificação do alimento (ahara). Purificação do alimento significa a aquisição do conhecimento de sensações não maculadas pelos defeitos do apego, da aversão, da desilusão. Tal é o significado. Portanto, sendo purificado tal conhecimento, ou abara, o sattva material de seu possuidor - o órgão interno - se tornará puro, e purificado o sanva, resultará uma ininterrupta memória do Infinito".

Essas duas explicações mostram-se aparentemente conflitantes, mas ambas são verdadeiras e necessárias. A manipulação e controle do que pode ser chamado corpo mais sutil, isto é, a mente, são funções mais elevadas, sem dúvida alguma, do que o controle do corpo físico, mais grosseiro. Mas o controle do mais grosseiro é absolutamente necessário para capacitar uma pessoa a chegar ao controle do corpo mais sutil. Portanto, o principiante deve dar atenção especial às regras dietéticas transmitidas por uma sucessão de instrutores acreditados. Mas o fanatismo extravagante e destituído de significação, que levou a religião inteiramente para a cozinha, como se pode observar em algumas de nossas seitas, é uma espécie peculiar de puro e simples materialismo. Não é inana, nem Bhakti, nem Karma. É uma forma especial de demência. Portanto, o racional é que é necessário haver discernimento na escolha da alimentação, para se obter esse estado de composição mental superior, que de outra maneira não se pode obter facilmente.

Domínio das paixões é o passo seguinte. Refrear os órgaos em sua tendência de procurar os objetos dos sentidos, controlá-los, e trazê-los sob a orientação da vontade, eis a virtude central na cultura religiosa. Então vem a prática do autodomínio e da auto-negação. Todas as imensas possibilidades de compreensão divina da alma não podem ser efetivadas sem luta e sem essa prática por parte do devoto aspirante. "A mente deve pensar sempre no Senhor." É muito duro, de início, levar a mente a pensar sempre no Senhor, mas com cada novo esforço se fortalece em nós o poder de fazer tal coisa.

Depois, quanto ao trabalho sacrificatório entende-se que os cinco grandes sacrifícios" (culto, estudo, e diversas espécies de atividades humanitárias) devem ser habitualmente realizados.

Pureza é a disciplina absolutamente básica, a rocha em que se assenta todo o edifício de Bhakti. Limpar o corpo externamente e selecionar o alimento são coisas fáceis, mas sem a limpeza e pureza internas, as práticas externas não têm nenhum valor. Na lista de qualidades que conduzem à pureza, tal como foi dada por Rãmanuia, estão enumeradas a veracidade; a sinceridade; fazer o bem a outros sem qualquer ganho pessoal; não ofender ninguém por pensamento, palavra ou ação; não cobiçar as posses alheias; não manter pensamentos vãos; e não ruminar as injúrias recebidas de outrem.

Nesta lista, a idéia que merece referência especial é ahimsa, a inofensividade. O dever de não ofender, é, por assim dizer, obrigatório em nossas relações com todos os seres. Não significa, simplesmente, como acontece com alguns, não prejudicar os seres humanos, mas não ter misericórdia para com os animais inferiores. Nem significa, como pensam outros, proteger cães e gatos e alimentar formigas com açúcar, mas mantendo a liberdade de prejudicar o seu irmão humano da maneira mais horrível. É notável observar como quase todas as boas idéias deste mundo podem ser levadas a um extremo repulsivo. Uma boa prática levada ao extremo e executada de acordo com a letra da lei, torna-se um mal positivo. Os monges malcheirosos de certas ceitas religiosas, que não se banham para que a vermina de seus corpos não seja morta, jamais pensam no desconforto e nas doenças que levam a seus semelhantes. Não pertencem, portanto, à religião dos Vedas.

Devemo-nos lembrar sempre, em conseqüência, de que as práticas externas só têm valor como meios auxiliares para desenvolver a pureza interior. É melhor ter apenas pureza interna, quando não é praticável a minuciosa atenção às observâncias externas. Mas ai do homem e ai da nação que esquecem a parte essencial, real, interna, e espiritual, da religião, e agarram-se mecanicamente, com apego mortal, a todas as formas externas e jamais se separam delas! As formas só têm valor enquanto são expressões da vida interior. Se cessaram de expressar vida, esmagai-as sem misericórdia.

O meio seguinte para a obtenção de Bhakti é energia. "Esse Atman não será obtido pelos fracos." Tanto a força física como a mental estão aqui englobadas. "Os fortes, os resistentes" são os únicos estudantes adequados. Que podem fazer as coisinhas débeis, decrépitas? Irão quebrar-se em pedaços sempre que as misteriosas forças do corpo e da mente forem acordadas, mesmo levemente, pela prática de qualquer das Yogas. "Os jovens, os sadios, os fortes- são os que podem lograr sucesso. Força física, portanto, é absolutamente necessária. Só um corpo forte pode suportar o choque da reação que resulta das tentativas para controlar os órgãos. O que deseja tornar-se um bhakta, deve ser forte, deve ser sadio. Quando os miseravelmente fracos tentam qualquer das Yogas, possivelmente irão adquirir moléstia incurável, ou enfraquecer a mente. Enfraquecer voluntariamente o corpo não é, realmente, uma receita para o esclarecimento espiritual.

Os fracos mentalmente também não podem ter sucesso na obtenção de Atman. Quem aspire ser um bhakta deve ser animado. No mundo ocidental, a idéia de um homem religioso é a daquele que jamais sorri, que parece ter sempre uma nuvem escura pendendo sobre seu rosto, que deve ser comprido, com a mandíbula quase deslocada. As pessoas de corpos emaciados e rostos compridos são pacientes para médicos; não são yogues. A mente animada é que se faz perseverante. A mente forte é que desbasta seu caminho através de milhares de dificuldades. E a mais dura de todas as tarefas, o abrir nosso caminho entre as redes de maya, pertence às vontades de gigantes.

Ainda assim, ao mesmo tempo, a alegria exagerada deve ser evitada. A alegria exagerada torna-nos impróprios para o pensamento sério, e também desperdiça em vão as energias da mente. Quanto mais forte a vontade, menor é a submissão às vacilações emocionais. Hilaridade excessiva é tão censurável quanto o excesso de triste seriedade, e toda a compreensão religiosa só é possível quando a mente está em condições firmes, pacíficas, de equilíbrio harmonioso.

É assim que se deve começar a aprender como amar o Senhor.

Quatro Yogas deAuto-Realização


Swami Vivekananda

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