sábado, 2 de julho de 2011

Auto-realização através do amor a Deus (Bhakti-Yoga) - quarta parte

Apanha-se objeto após objeto, e o ideal interior é sucessivamente projetado neles todos. E nota-se que todos esses objetos externos são inadequados como expoentes do ideal interior sempre em expansão, e, são, naturalmente, rejeitados, um após o outro. Por fim, o aspirante começa a refletir que é inútil a tentativa de colocar o ideal em objetos externos, pois estes nada são, comparados com o próprio ideal. E, com o decorrer do tempo, adquire o poder de realizar o mais alto o mais generalizado ideal abstrato, inteiramente como uma abstração, que, para ele, é bastante viva e real.


Podemos representar o amor como um triângulo, em que cada ângulo corresponde a uma de suas características inseparáveis. Não pode haver triângulo sem os três ângulos, e não pode haver amor verdadeiro sem as três seguintes características:

O primeiro ângulo do nosso triângulo do amor é o fato do amor não conhecer transações. Sempre que se procura algo em retribuição, não pode haver amor real. Ele torna-se uma questão de venda-e-compra. Enquanto houver em nós qualquer idéia de obter tal ou qual favor de Deus em retribuição de nosso respeito e fidelidade a Ele, não haverá verdadeiro amor florescendo em nosso coração. Os que adoram Deus porque desejam que Ele lhes prodigalize favores, com certeza não O adorarão se tais favores não forem outorgados. O bhakta ama o Senhor porque Ele é adorável. Não há outro motivo originando ou dirigindo a divina emoção do verdadeiro devoto.

Ouvimos dizer que um grande rei foi certa vez a uma floresta e ali encontrou um sábio. Conversou um pouco com ele e ficou muito satisfeito com a sua pureza e sabedoria. Desejou então que o sábio aceitasse dele um presente, o que o outro recusou, dizendo: "Os frutos da floresta são alimento bastante para mim. As puras correntes de água que fluem da montanha dão-me bastante de beber. As cascas das árvores fornecem-me cobertas, e as grutas da montanha formam o meu lar. Por que receberia eu presentes de vós ou de quem quer que seja?"

O rei falou: "Apenas para me ser agradável, senhor, recebei, por favor, algo de minhas mãos, e por favor, vinde comigo à cidade, ao meu palácio".

Depois de muita insistência, o sábio consentiu, por fim, em fazer o que o rei desejava, e acampanhou-o até o palácio.

Antes de oferecer o presente ao sábio, o rei fez suas orações nestes termos: "Senhor, dai-me mais filhos. Senhor, dai-me mais riqueza. Senhor, dai-me mais território. Senhor, mantende meu corpo em melhor saúde. . . " E assim por diante.

Antes que o rei terminasse de fazer sua oração, o sábio se havia levantado e saído caladamente do aposento. Vendo aquilo, o rei ficou perplexo e começou a segui-lo, exclamando: "Senhor, estais indo embora! Não recebestes ainda os meus presentes!"

O sábio voltou-se para ele e disse: "Não mendigo de mendigos. Nada mais sois do que um mendigo. Assim, como podeis me dar alguma coisa? Não sou tolo para pensar em tomar seja o que for de um mendigo como vós. Ide daqui, Não me sigais".

Fica bem estabelecida a distinção entre simples mendigos e reais amantes de Deus. Mendicância não é linguagem de amor.

Cultuar Deus, mesmo por amor da salvação ou de outra recompensa, é igualmente uma degeneração. O amor não conhece recompensa. O amor é sempre por amor do amor. O bhakta ama porque não pode deixar de amar. Quando vedes uma bela paisagem e vos apaixonais por ela, não pedis que essa paisagem vos faça um favor, nem a paisagem exige algo de vós. Ainda assim, aquela visão vos dá um estado beatífico da mente, acalma toda a fricção de vossa alma, faz-vos calmos, quase vos eleva, na ocasião, acima de vossa natureza mortal, colocando-vos na condição de um êxtase bastante divino. Essa natureza do verdadeiro amor é o primeiro ângulo do nosso triângulo. Não peçais coisa alguma em troca de vosso amor. Que vossa posição seja sempre a do dador. Dai vosso amor a Deus, mas nem a Ele peçais nada em retribuição.

O segundo ângulo do nosso triângulo de amor é que o amor não conhece medo. Os que amam a Deus através do medo, são os seres humanos de tipo mais ínfimo, muito pouco desenvolvidos como homens. Cultuam Deus porque têm medo de castigos; para eles Deus é um grande ser, com um chicote numa das mãos e um cetro na outra. Se não O obedecerem, receiam ser chicoteados. É uma degradação cultuar Deus através do medo do castigo. Tal culto, se culto se pode chamar, é a mais rude forma de culto através do amor. Enquanto houver qualquer medo em vosso coração, como pode haver ali amor, também? O amor vence o medo, naturalmente. Pensai numa jovem mãe que vai pela rua, e um cão lhe late. Tem medo e corre para a casa mais próxima. Suponde, porém, que no dia seguinte ela está na rua com seu filho, e um leão salta sobre ele. Qual será agora a atitude daquela mãe? Por certo na própria boca do leão, protegendo seu filho.

O amor vence todo o medo. O medo provém da idéia egoísta de nos separarmos do universo. Quanto menor e mais egoísta eu me faço, maior é o meu medo. Se um homem pensa que ele é um pequenino nada, o medo virá seguramente sobre ele. E quanto menos pensardes em vós como uma insignificante pessoa, menos medo tereis. Enquanto houver o menor lampejo de medo em vós, não podereis ter amor. Amor e medo são incompatíveis. Deus nunca é temido por aqueles que O amam. O mandamento: "Não tomes o nome do Senhor em vão", faz rir o verdadeiro amante de Deus. Como pode haver qualquer blasfêmia na religião do amor? Quanto mais tomardes o nome do Senhor, tanto melhor para vós, qualquer que seja o modo como o façais. Apenas repetis Seu nome porque O mais.

O terceiro ângulo do triângulo do amor é que o amor não tem rival, pois sempre corporifica o mais alto ideal do amante. O verdadeiro amor jamais nos chega enquanto o objeto do nosso amor não se tornar o nosso mais alto ideal. Pode ser que em muitos casos o amor humano seja mal dirigido e mal colocado, mas para a pessoa que ama, a coisa que ama é sempre seu mais alto ideal. É possível que uns vejam esse ideal no mais vil dos seres, e outros no mais elevado dos setes. Contudo, em cada caso é o ideal, apenas, que pode ser verdadeira e intensamente amado. O supremo ideal de cada homem se chama Deus. Ignorante ou sábio, santo ou pecador, homem ou mulher, educado ou não, culto ou ignorante - para cada ser humano o ideal supremo é Deus. A síntese de todos os mais elevados ideais de beleza, de sublimidade, e de poder nos dá a mais completa concepção do amoroso e amorável Deus.

Esses ideais existem, naturalmente, sob essa ou aquela forma, em todas as mentes: formam uma parte de todas as mentes. Todas as manifestações ativas da natureza humana são lutas para que esses ideais sejam concretizados na vida prática. Todos os vários movimentos que vemos em torno de nós, na sociedade, são causados pelos vários ideais em várias almas, tentando manifestar-se e concretizar-se. O que está no interior pressiona para se exteriorizar. Essa influência perenemente dominante do ideal é a única energia, a única força motriz que se pode ver atuando constantemente no meio da humanidade, Pode ser que depois de centenas de nascimentos e de lutas através de milhares de anos, um homem verifique ser inútil tentar fazer com que o ideal interior modele completamente as condições externas, e a elas se ajuste. Depois de compreender isto, ele não mais tenta projetar seu ideal no mundo exterior, mas cultua o ideal como ideal em si, do mais alto ponto de vista do amor.

Este ideal abstratamente perfeito compreende todos os ideais menores. Todos admitem como verdadeiro o ditado: "O amoroso vê a beleza de Helena no rosto de uma etíope". O homem que está de lado, como observador, vê que o amor está aqui mal colocado; mas, não obstante, o amoroso vê a sua Helena, e de maneira alguma a etíope. Helena ou etíope, os objetos do nosso amor são os centros em torno dos quais nossos ideais se cristalizam. Que cultua o mundo, habitualmente? Não, por certo, o onienvolvente e perfeito ideal do supremo devoto e amante. O ideal que homens e mulheres cultuam habitualmente é o que está neles próprios. Cada qual projeta seu próprio ideal no mundo exterior, e ajoelha-se diante dele. Eis porque notamos que os homens que são cruéis e sedentos de sangue concebem um Deus sedento de sangue; é que só podem amar seus próprios ideais mais elevados. Eis por que os homens bons têm uma idéia muito alta de Deus, e seus ideais, são, realmente, muitíssimo diferentes dos ideais dos outros.

Qual é o ideal do amante que superou a idéia de egoísmo, de permuta, de transação, e que não conhece o medo? Mesmo ao grande Deus tal homem dirá: 'Mar-Te-ei tudo o que é meu e nada quero de Ti. Realmente, nada há que eu possa chamar meu". Quanto um homem adquire tal convicção, seu ideal se torna um ideal de perfeito amor, de perfeita intrepidez, nascida do amor. O ideal mais elevado de uma pessoa assim não está envolto em nenhuma estreiteza da particularidade; é amor universal, amor sem limites ou entraves, o próprio amor, o amor absoluto. Esse grande ideal da religião do amor é cultuado e amado absolutamente como tal, sem ajuda de quaisquer símbolos ou sugestões. Esta é a forma mais elevada da suprema Bhaki, a que cultua como ideal o ideal oniabancante; todas as demais formas de Bkakti são apenas etapas intermediárias para atingi-Ia.

Todos os nossos insucessos e todos os nossos êxitos quando seguimos a religião do amor, estão no caminho para a realização desse ideal único. Objeto após objeto é tomado, e o ideal interior é sucessivamente projetado neles todos; e todos esses objetos externos provam serem inadequados como expoentes do ideal interior sempre em expansão, e são naturalmente rejeitados, um após outro. Por fim, o aspirante começa a pensar que é inútil a tentativa de colocar o ideal em objetos externos, pois tais objetos nada são comparados ao ideal em si. E, com o correr do tempo, adquire o poder de realizar o mais alto e mais generalizado ideal abstrato inteiramente como uma abstração,* que, para ele, é bastante viva e real.

Quando o devoto atingiu tal ponto, não mais se vê impelido a indagar se Deus pode ou não ser demonstrado, se é onipotente e onisciente ou não. Para ele, trata-se apenas do Deus do amor. Ele é o mais alto ideal de amor, e isso é suficiente para todos os seus propósitos. Ele, como amor, é autoevidente, não requer provas para demonstrar ao amoroso a existência do amado. Os Deuses-magistrados das outras formas de religião podem exigir muitas provas para evidenciá-los, mas o bhakta não pensa e não pode jamais pensar em tais Deuses. Para ele, Deus existe inteiramente como amor.

Há quem diga que o egoísmo é a única força motriz por trás das atividades humanas. Isso também é amor, inferiorizado por ser particularizado. Quando penso em mim mesmo como compreendendo o Universal, não pode haver, seguramente, egoísmo em mim, mas quando, erroneamente, penso que sou algo pequeno, meu amor se torna particularizado e estreito. O erro consiste em estreitar e restringir a esfera do amor. Todas as coisas no universo são de origem divina e merecem ser amadas. 9 preciso, contudo, conservar em mente que o amor do todo incluí o amor das partes.

Este todo é o Deus dos bhaktas, e todos os outros Deuses, Pais do Céu, Governantes, ou Criadores, e todas as teorias e doutrinas e livros, não têm para eles nenhum propósito nem significação, já que, através do seu amor e devoção supremos, eles se ergueram inteiramente acima dessas coisas. Quando o coração é purificado, limpo, e cheio até as bordas com o néctar divino do amor, todas as idéias de Deus se tornam simplesmente pueris e são rejeitadas como inadequadas e sem Valor. Tal é, com efeito, o poder do amor supremo. O perfeito bhakta não mais vai ver Deus nos templos e igrejas; sabe que não há lugar onde não O encontre. Encontra-O tanto fora como dentro do templo. Encontra-o tanto na perversidade dos perversos como na santidade dos santos, porque já O instalou em glória em seu próprio coração, como a única, poderosa, inextinguível luz do amor que está sempre refulgindo e eternamente presente.

É impossível expressar em linguagem humana a natureza desse ideal supremo e absoluto. Mesmo o mais alto vôo da humana imaginação é incapaz de compreender isso em toda a sua infinita perfeição e beleza. Contudo, os seguidores da religião do amor em sua forma mais alta como na mais baixa, em todos os países, têm precisado usar a humana linguagem para compreender e definir seu próprio ideal de amor. Ainda mais: o próprio amor humano, em todas as suas variadas formas, foi feito para simbolizar esse amor divino inexprimível. Os homens só podem pensar nas coisas divinas à sua maneira humana: para nós, o Absoluto pode ser expresso apenas em nossa linguagem relativa. Todo o universo é, para nós, uma composição do Infinito escrita na linguagem do finito. Portanto,, na relação de Deus e Seu culto através do amor, os bhaktas usam todos os termos comuns associados com o amor comum da humanidade.

Alguns dos grandes escritores da Bhaki suprema tentaram compreender e experimentar esse divino amor de muitas maneiras. A forma mais baixa na qual esse amor é apreendido, está no que chamam o pacífico - o shanta. Quando um homem cultua Deus sem o fogo do amor dentro de si, sem sua loucura em seu cérebro; quando o amor é apenas calmo, banal, um pouco mais alto do que as meras formas, cerimônias e símbolos, mas de forma alguma caracterizado pela loucura do amor intensamente ativo, é chamado shanta. Vemos pessoas no mundo que gostam de mover-se lentamente, e outras que vão e vêm como turbilhões. O shanta-Máta é calmo, pacífico, delicado.

O tipo seguinte, mais alto, é o do dasya, serventia. Vem quando um homem pensa ser o servo do Senhor. O apego do servo fiel ao mestre é o seu ideal.

O tipo seguinte de amor é sakhya, amizade. "És nosso amigo querido." Tal como um homem abre seu coração ao seu amigo e sabe que o amigo jamais o irá censurar por sua faltas, mas sempre procurará ajudá-lo, tal como existe a idéia de igualdade entre ele e seu amigo - amor igual flui e reflui entre o adorador e seu amistoso Deus. Assim, Deus se torna nosso amigo, o amigo que está próximo, o amigo ao qual podemos contar francamente todas as histórias de nossa vida. Os mais recônditos segredos de nossos corações lhe podem ser expostos, com a grande certeza de segurança e apoio. Ele é o amigo que o devoto aceita como igual. Deus é aqui visto como que nosso companheiro de folguedos.

Podemos bem dizer que estamos todos brincando neste universo. Tal como as crianças fazem seus jogos, tal como os mais gloriosos reis e imperados fazem seus próprios jogos, assim o próprio bem amado Senhor se recreia com este universo. Ele é perfeito. Nada deseja. Por que criaria? A atividade, para nós, está sempre em função da realização de certo desejo, e o desejo sempre pressupõe imperfeição. Deus é perfeito. Não tem desejos. Por que continuaria Ele com este trabalho de uma criação sempre ativa? Que propósito tem em vista? As histórias que falam de Deus criando o mundo, com uma ou outra finalidade que imaginamos, são boas apenas como histórias, e nada mais. Tudo são realmente folguedos; o universo é o jogo continuo de Deus. O universo todo deve ser, afinal, um grande e agradável motivo de divertimento para Ele. Se sois pobres, gozai essa pobreza como divertimento. Se sois ricos, gozai o divertimento de serdes ricos. Se vem o perigo, também é divertimento, e se vem a felicidade, há nela mais e melhor divertimento. O mundo não passa de um parque de diversões, e estamos tendo bom divertimento, estamos gozando de um jogo. E Deus está jogando conosco, todo o tempo. E estamos jogando com Ele. Deus é o nosso eterno companheiro de folguedos. Como Ele é belo jogando! O jogo termina quando um cicio chega ao fim. Há repouso por um período de tempo menor ou maior, e de novo tudo se manifesta e torna a jogar.

Só quando vos esqueceis de que tudo não passa de jogo e de que também estais auxiliando o jogo, é que a angústia surge, com os desgostos. Então o coração se torna pesado, então o mundo faz carga sobre vós com tremendo poder. Mas, assim que abandonais vossa crença séria na realidade dos incidentes mutáveis dos três minutos da vida, e sabeis que ela não passa de um estágio no qual estamo-nos divertindo, ajudando-O a divertir-se, imediatamente toda a angústia cessa para vós. Ele se diverte em cada átomo. Está-se divertindo quando constrói terras, e sóis, e luas. Está-se divertindo com o coração humano, com os animais, com as plantas. Somos Suas peças de xadrez, que Ele coloca sobre o tabuleiro, sacudindo-as. Arranja-nos primeiro de uma forma, depois de outra, e estamos, consciente ou inconscientemente, ajudando-O em seu jogo. E, 6 bem-aventurança! somos seus parceiros de folguedos!

A seguir vem o que é conhecido como vatsalya, amar a Deus não como nosso pai mas como nosso filho. Isto pode parecer estranho, mas é uma disciplina que nos capacita a afastar toda idéia de poder em relação ao conceito de Deus. A idéia de poder traz consigo repeitoso temor. Não deve haver receio no amor. As idéias de obediência e reverência são necessárias para a formação do caráter, mas quando o caráter está formado, quando o amoroso deu provas do amor calmo e pacífico, e deu provas também de um pouco da intensa loucura do amor, já não há necessidade de lhe falar mais sobre ética e disciplina. Conceber Deus como poderoso, majestoso e glorioso, como Senhor do universo, ou como Deus dos Deuses - é coisa que não preocupa o amoroso.

Para evitar a associação com Deus da sensação de poder que gera o medo, é que ele O adora como seu próprio filho. A mãe e o pai não sentem receoso temor em relação ao filho. Não podem ter reverência alguma pela criança. Não podemos pensar em pedir-lhe qualquer favor. A posição da criança é sempre a de quem recebe, e por amor ao filho os pais dariam centenas de vezes seu próprio corpo. Milhares de vidas sacrificariam por esse seu filho. Portanto, Deus é amado como um filho.

A idéia de amar a Deus como filho surge e cresce naturalmente entre as seitas religiosas que acreditam na encarnação de Deus. Para os maometanos é impossível nutrir a idéia de Deus como filho; recuariam de horror diante dela. Mas os cristãos e os hindus podem compreendê-la facilmente, porque têm o Menino Jesus e o Menino Krishna. As mulheres da índia se vêem com freqüência na qualidade de mães de Krishna. As mães cristãs também podem adotar a idéia de que são mães de Cristo, e essa idéia levará ao Ocidente o conhecimento da divina maternidade de Deus, de que o ocidental tanto necessita. Superstições, respeitoso temor, reverência em relação a Deus, são sentimentos profundamente arraigados no âmago de nosso coração, e por isso levamos longos anos para mergulhar inteiramente em amor nossas idéias de reverência e veneração, de respeitoso temor, majestade e glória, com referência ao Senhor.

Há mais uma representação humana do divino ideal do amor. É conhecida como madhura, a relação entre enamorados, que é a mais alta de tal representação. Está baseada, realmente, na mais alta manifestação de amor deste mundo, e esse amor é também o mais forte que o homem conhece. Que amor sacode toda a natureza do homem, que amor percorre todos os átomos de seu ser, enlouquece-o, fá-lo esquecer sua própria natureza, transforma-o, torna-o um deus ou um demônio, como o amor entre homem e mulher? Nessa doce representação do amor divino, Deus é nosso esposo. Todos somos mulheres, não há homens neste mundo. Há apenas um Homem, e é Ele, nosso Bem-amado. Todo o amor que um homem dá à mulher, ou a mulher ao homem, aqui está, para ser dado ao Senhor.

Todas as diferentes espécies de amor que vemos neste mundo, e com as quais estamos mais ou menos meramente brincando, têm Deus como finalidade única. Mas, infelizmente, o homem não conhece o oceano infinito para o qual esse poderoso rio de amor está constantemente fluindo, e assim, loucamente, muitas vezes procura dirigi-lo para bonequinhos de seres humanos. O tremendo amor pelo filho, que está na natureza humana, não é pelo bonequinho que é o filho. Se o aplicardes exclusiva e cegamente no filho, sofrereis as conseqüências. Mas através desse sofrimento virá o despertar mediante o qual descobrireis seguramente que se o amor que está em vós é dado a qualquer ser humano, mais cedo ou mais tarde trará dor e desgosto como resultado.

Portanto, vosso amor deve ser dado ao Supremo, que nunca morre nem se altera, e é o oceano em cujo amor não há fluxo nem refluxo. O amor deve ir para seu destino certo, deve ir para Ele, que é, realmente, o infinito oceano de amor. Todos os rios fluem para o oceano. Mesmo a gota de água que desce do flanco da montanha não pode cessar sua caminhada quando alcança um regato ou um rio, por muito grande que seja. Por fim, mesmo essa gota encontrará de alguma forma seu caminho para o oceano.

Deus é a meta de todas as nossas paixões e emoções. Se quereis encolerizar-vos, encolerizai-vos com Ele. Censurai vosso Bem--amado, censurai vosso amigo. Quem mais podereis censurar com segurança? Nenhum homem mortal suportaria pacientemente vossa cólera, e haveria uma reação. Se vos encolerizais contra mim, estou certo de que reagirei rapidamente, porque não posso suportar com paciência a vossa cólera. Dizei ao Bem-amado: "Por que não vindes a mim? Por que me deixais assim sozinho?" Onde há prazer, a não ser n'Ele? Que prazer pode haver nos pequenos torrões de terra? Devemos procurar a essência cristalizada do infinito prazer, que é Deus. Que nossas paixões e emoções subam até Ele. Foram feitas para Ele, porque, se falharem no ir de encontro ao seu destino e se dirigirem para baixo, tomam-se vis. Quando vão direito para o seu destino, para o Senhor, mesmo a mais baixa delas se transfigura. Todas as energias do corpo e da mente, como quer que se expressem, têm o Senhor como seu destino único. Todos os amores e todas as paixões do coração humano devem dirigir-se para Deus. Ele é o Bem-amado. A quem mais este coração pode amar? Ele é o mais belo, o mais sublime. Ele é a própria beleza, a própria sublimidade. Quem, neste universo, é mais belo que Ele? Quem neste universo é mais adequado que Ele para ser o esposo? Quem no universo é mais adequado que Ele para ser querido? Portanto, seja Ele o esposo, seja Ele o Bem-amado.

Sim, o verdadeiro amante espiritual não descansa mesmo ali; mesmo o amor de esposo e esposa não é bastante alucinante para ele. Aos bhaktas não repugna também a idéia do amor ilegítimo, por ser tão forte. A sua impiedade é coisa de que não cogitam. A natureza do amor é tal que quanto mais obstruções houver ao seu livre jogo, mais apaixonante se torna. O amor entre marido e mulher é suave, sem obstruções. Assim, os bhaktas tipificam a moça que ama seu próprio bem-amado, e sua mãe e pai, ou esposo, fazem objeções a tal amor, e quanto mais alguém obste o curso de seu amor, tanto mais ele tende a intensificar-se. A linguagem humana não pode descrever quanto Krishna, nos bosques de Brindaban, foi loucamente amado; quanto, ao som de sua voz, as sempre abençoadas gopis corriam ao seu encontro, esquecendo tudo, este mundo e seus entraves, seus deveres, suas alegrias e suas dores.

Homem, 6 homem! Falais de amor divino e ao mesmo tempo sois capaz de atender a todas as vaidades deste mundo. Sois sincero? "Onde Rama está, não há lugar para desejo algum. Onde o desejo está, não há lugar para Rama! Tais coisas jamais coexistem. Como a luz e as trevas, nunca estão juntas."

Quatro Yogas deAuto-Realização


Swami Vivekananda

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