segunda-feira, 13 de junho de 2011

Fé e crenças

É normal ter medo da morte, mas algumas pessoas ficam muito ansiosas com a morte e outras pouco. A religião ajuda a diminuir a ansiedade da morte
Gláucio Soares é professor do Instituto Universitário de Pesquisas do RJ (Iuperj). Artigo publicado em “O Globo”:
Estes últimos dias reviveram a questão religiosa. Muitos perguntam: para que serve a religião? É uma perda de tempo ou acarreta algum benefício, ainda nesta vida? O que dizem as pesquisas sobre os efeitos da religião?
Os resultados surpreendem: os religiosos se consideram mais felizes. Mookherjee mostrou que a participação religiosa influenciava a avaliação da própria felicidade, juntamente com a raça, o estado civil, a educação e a renda.
Sabemos que os cristãos têm uma baixa taxa de suicídio. Porém, Hovey, estudando imigrantes latino-americanos, não encontrou associação entre filiação a esta ou aquela religião e ideações suicidas, mas mostrou que a religiosidade e a frequência da participação na igreja diminuíam as ideações suicidas. Uma regressão múltipla controlou outros fatores e a relação persistiu — forte, significante e negativa.
Os mais religiosos pensam menos em suicídio.
Há fatores sociais associados com a religião. Templos e igrejas são lugares de oração e, também, lugares onde as pessoas se encontram, se conhecem e, eventualmente, se ajudam. Lovell Smith e associados estudaram negros americanos católicos.
Concluíram que a participação nas atividades da igreja e o sentido de comunidade aumentavam a disposição das pessoas em ajudar outras. Mais religiosidade significa preocupação com o próximo, melhor percepção do outro, mais empatia e mais ação, fazer algo para ajudar.
Religião e saúde andam juntas. Uma pesquisa em Saskatchewan, no Canadá, mostrou que renda e educação afetavam a saúde. Porém, era na velhice que a pobreza e a falta de educação faziam mais diferença. Ter amigos no trabalho e participar de atividades religiosas foram as outras variáveis que mais beneficiavam a saúde.
Entre idosos, a participação em clubes e atividades religiosas melhorava a saúde, mesmo controlando outros fatores.
A saúde mental também melhora com a religiosidade: num estudo de idosos com depressão, os intrinsecamente mais religiosos se recuperaram 70% mais rápido. A religiosidade era muito importante, mas a freqüência à igreja e aos templos não era. O que contava era sentir a religião.
Porém, há crenças que ajudam mais que outras — algumas podem prejudicar. No Centro Médico da Universidade de Duke, os pacientes foram separados em três grupos: os sem perspectiva religiosa, os com perspectivas negativas e os com perspectivas positivas (visão de Deus como benevolente, como amor, tentativa de participar do “plano de Deus”, buscando uma ligação com Deus e religiosos etc.).
Os que adotaram uma perspectiva positiva tiveram resultados muito melhores.
Um dos estudos mais impressionantes relacionou os níveis de IL-6, um citokino que é um mensageiro entre partes do sistema imune, alto nos idosos e nos que sofrem de doenças do sistema imune.
Controlando a idade, gênero, estado de saúde, os que iam freqüentemente à igreja tinham um risco de ter um alto nível de IL-6 que era 42% mais baixo. O sistema imune das pessoas religiosas é mais estável.
E a morte? É normal ter medo da morte, mas algumas pessoas ficam muito ansiosas com a morte e outras pouco. A religião ajuda a diminuir a ansiedade da morte: numa população de idosos incapacitados, quanto mais oração, menor era a ansiedade: 10% entre os que oravam e 24% entre os que não oravam.
Os religiosos vivem mais? Menos? H. G. Koenig estudou quatro mil idosos na Carolina do Norte, que foram acompanhados durante mais de seis anos.
O risco de morte entre os mais religiosos era 46% menor — o equivalente à diferença entre os que usam e os que não usam cinto de segurança em automóveis.
O efeito era mais pronunciado entre as mulheres. Os autores neutralizaram os fatores demográficos, de saúde e sociais.
Com esses controles, os religiosos tinham uma taxa de morte 35% mais baixa entre as mulheres e 17% entre os homens. Oman e Reed controlaram dados demográficos (idade, gênero etc.), o estado de saúde na origem, o funcionamento físico, hábitos sanitários, o capital social e o estado psicológico de dois mil idosos que residiam no Condado de Marin, na Califórnia.
Fizeram um acompanhamento de cinco anos. A taxa de mortalidade dos que participaram de missas, cultos, grupos de oração etc. foi mais baixa do que os demais (probabilidade relativa de 0,64, onde 1 significa que não há diferença).
Depois de ajustar os resultados por idade e gênero o risco subia um pouco, para 0,76. A atividade religiosa protegia mais as pessoas com mais apoio social.
A relação entre religiosidade e sobrevivência é forte e perde pouca intensidade quando controlamos outros fatores. Strawbridge acompanhou 5.286 residentes do Condado de Alameda durante 28 anos. Usaram regressões logísticas que mostraram as associações entre a participação religiosa e melhorias posteriores nos hábitos sanitários e nas relações interpessoais.
O impacto sobre a probabilidade relativa de morte era significativo: os religiosos viviam mais tempo e morriam menos — 36% menos.
As diferenças eram maiores entre as mulheres. O controle dos hábitos sanitários e das relações pessoais refinou os resultados, diminuindo o efeito “puro” da freqüência religiosa para 23%.
Parte dos efeitos da religião se deveu à melhoria dos hábitos: proporcionalmente, os “assíduos” deixaram de fumar mais, se exercitaram mais e permaneceram casados, três condições que protegem a saúde e a vida.
Assim, o efeito da participação religiosa sobre a mortalidade se deve, em parte, ao estilo de vida e a mecanismos internos. Não sei se a fé remove, mesmo, montanhas, mas há ampla evidência empírica mostrando que religião e fé ajudam a viver mais e melhor, e a morrer em paz.

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